Aspectos polêmicos acerca da desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho
O grande objeto de preocupação da processualística brasileira atual reside na chamada “crise do processo de execução”, causada pela dificuldade em dar cumprimento ao julgado. Diversos artifícios têm sido utilizados pelos executados para impedir a efetivação da execução, seja por meio do desvio de bens da empresa para o patrimônio da pessoa dos sócios, de sucessões fraudulentas, de alienação de bens em fraude à execução ou de utilização de sócios “laranjas” ou “testas de ferro”. Com isso, é negado ao exeqüente um direito fundamental da pessoa humana, consistente na eficácia da jurisdição, o que compromete a credibilidade de todo o sistema normativo, uma vez que é frustrante para o credor não ver garantida a efetivação do seu direito, após longa e cansativa demanda judicial. É nesse cenário que surge o estudo da denominada teoria da desconsideração da personalidade jurídica do executado
Por | Iuri Pereira Pinheiro
BASES CONCEITUAIS DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Existe certa cizânia doutrinária acerca da origem do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, sendo apontado por alguns o “leading case” norte-americano no caso “Salomon x Salomon & Co”, enquanto outros indicam o precedente inglês “Bank of United States x Deveax”.
A desconsideração da personalidade jurídica, também chamada de “disregard doctrine”, teoria da penetração ou “disregard of legal entity” consiste na desconsideração do Princípio da Autonomia Patrimonial da sociedade empresária, de modo a permite que se descortine o véu da personalidade jurídica para se alcançar os bens particulares dos sócios, quando verificada a insuficiência do patrimônio societário e, concomitantemente, restar comprovada a violação à lei, fraude, falência, estado de insolvência ou mesmo encerramento ou inatividade da empresa, provocados por má administração.
No entanto, no âmbito desta Justiça Especializada, incide a teoria menor da desconsideração, de modo a se aplicar em todos os casos nos quais se verificar a insuficiência de patrimônio da empresa para honrar as dívidas trabalhistas contraídas, independentemente da comprovação da existência de fraude, simulação, desvio de finalidade.
A teoria em questão está prevista expressamente no art. 28, parágrafo 5º do CDC, ao dispor:
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
(…)
§ 5º. Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
Entendemos que a Lei 8.078/90 (CDC), na parte processual, é aplicável ao processo do trabalho, principalmente pelo fato de o art. 21 da Lei n. 7.347/1985 (Lei de Ação Civil Pública) determinar a aplicação às ações coletivas e individuais da parte processual do CDC, naquilo que for compatível.
Ademais, a regra insculpida no art. 28 da Lei n. 8.078/90 está em consonância com os princípios da celeridade, proteção ao trabalhador hipossuficiente, da efetividade da execução trabalhista e do privilégio do crédito laboral, merecendo plena aplicação ao processo do trabalho.
Pontue-se, ainda, que a teoria menor possui como substrato teleológico a existência de credores não-negociais, assim entendidos como aqueles que não possuem condições de negociar a formação de seus créditos, a exemplo de trabalhadores e consumidores. Esse é o magistério de André Luiz Santa Cruz Ramos:
A teoria da menor da desconsideração, por sua vez, é uma clara decorrência da crise pela qual passam hodiernamente o princípio da autonomia patrimonial e as regras de limitação de responsabilidade. A sociedade como um todo – e mesmo uma parcela da comunidade – não os vê com bons olhos. Afirmar a irresponsabilidade de sócios por dívidas sociais, em alguns casos, soa para muito como um verdadeiro disparate. Parece, para eles, que se está institucionalizando a falcatrua, que se está acobertando a fraude em detrimento de credor honesto.
[…]
Os defensores da teoria menor alegam que sua aplicação se justifica, nesses casos, porque para eles o risco empresarial normal decorrente do exercício de atividades econômicas não deveria ser suportado, indistintamente, por todos os credores da pessoa jurídica, mas apenas pelos chamados credores negociais.
Assim, não se mostra necessário o preenchimento dos requisitos mais rigorosos do Código Civil (art. 50):
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Consigne-se, ainda, que não há de se falar em limitação da responsabilidade ao capital social subscrito, eis que com a desconsideração, passa-se a executar a pessoa física do sócio.
DESCONSIDERAÇÃO POR AUSÊNCIA DE SOLVABILIDADE DE BENS DA EMPRESA
Uma questão bastante polêmica que a realidade tem evidenciado consiste no caso em que a executada e real empregadora possui apenas um bem situado em um município distante do foro onde tramita a execução e este vai à leilão em mais de uma oportunidade, restando frustrada a hasta.
À luz dos arts. 28 do CDC e 50 do CC/02 não há expressa menção de que sejam esgotadas todas as tentativas de penhora sobre o patrimônio da pessoa jurídica.
Assim, se a pessoa jurídica, ainda funciona, mas não apresenta dinheiro nem bem de fácil alienação, oferecendo à penhora apenas imóvel em situação sofrível e fora da comarca, ao passo que o sócio dispõe de bens de fácil comercialização ou dinheiro, pode-se sustentar que a pessoa jurídica é utilizada como forma de empecer a solução do litígio e afastá-la mesmo sem o esgotamento do patrimônio.
Reforça ainda essa tese o fato de o art. 596, § 1º, do CPC impor ao sócio, para exigir que primeiro seja penhorado o patrimônio da sociedade, que indique bens localizados na mesma comarca, evitando-se a carta precatória, livres e desonerados. Ou seja, a lei impõe ao sócio a indicação de bens da empresa situados na mesma comarca, livres e desembargados para que se utilize do benefício de ordem.
§ 1o Cumpre ao sócio, que alegar o benefício deste artigo, nomear bens da sociedade, sitos na mesma comarca, livres e desembargados, quantos bastem para pagar o débito.
Além do que fica assegurado o direito de regresso em face da sociedade, sendo mais consentâneo com os ideais de justiça que o aquele que manteve vinculação com a sociedade busque a sua satisfação, não deixando à deriva quem empreendeu sua força de trabalho.
O procedimento demanda, segundo entendimento majoritário, a prévia citação do sócio, já que ele passará a ser executado e, assim, integrará o polo passivo da demanda. Apenas dessa maneira é que se pode dar concretude também à inscrição deste no BNDT e evitar que venha a obter a CNDT. Por essa razão é que a Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho assim prevê:
Da Desconsideração da Personalidade Jurídica
Art. 79. Ao aplicar a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, cumpre ao Juiz que preside a execução trabalhista adotar as seguintes providências:
I – determinar a re-autuação do processo, a fim de fazer constar dos registros informatizados e da capa dos autos o nome da pessoa física que responderá pelo débito trabalhista;
II – comunicar imediatamente ao setor responsável pela expedição de certidões na Justiça do Trabalho a inclusão do sócio no pólo passivo da execução, para inscrição no cadastro das pessoas com reclamações ou execuções trabalhistas em curso;
III – determinar a citação do sócio para responder pelo débito trabalhista.
Parágrafo único. Não será expedida certidão negativa em favor dos inscritos no cadastro de pessoas com execuções trabalhistas em curso.
Mauro Schiavi, minoritariamente, entende ser desnecessária a citação dos sócios, sob o fundamento de que ele não seria parte, mas apenas responsável patrimonial secundário, nos termos do art. 592, II, do CPC.
Art. 592. Ficam sujeitos à execução os bens:
(…)
II – do sócio, nos termos da lei;
Seus críticos alegam que, para se sujeitar à constrição patrimonial, deve-se chamar a pessoa a juízo e lhe dar ciência para conferir-lhe a oportunidade de manifestação no momento oportuno, sob pena de malferimento à garantia constitucional do contraditório (art. 5º, LV, CF/88).
O problema de ordem prática que nos deparamos é que, uma vez citado, o sócio frustra a execução, retirando os numerários disponíveis em sua conta.
Para contornar isso e, ao mesmo tempo, evitar máculas às garantias processuais, entende-se que o magistrado pode se socorrer do poder geral de cautela e determinar, de logo, acautelatoriamente a constrição de bens do sócio, determinando ato contínuo a sua citação. Além do poder geral de cautela inscrito no art. 798 do CPC, pode-se robustecer a decisão com o art. 814, p. único, do CPC.
Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.
(…)
Art. 814. Para a concessão do arresto é essencial: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
I – prova literal da dívida líquida e certa;(Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
II – prova documental ou justificação de algum dos casos mencionados no artigo antecedente. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
Parágrafo único. Equipara-se à prova literal da dívida líquida e certa, para efeito de concessão de arresto, a sentença, líquida ou ilíquida, pendente de recurso, condenando o devedor ao pagamento de dinheiro ou de prestação que em dinheiro possa converter-se. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
Até mesmo a progressista Jornada de Execução entende ser necessária a citação dos sócios:
10. FRAUDE À EXECUÇÃO. DEMONSTRAÇÃO. PROCEDIMENTO.
I – omissis
II – Acolhida a desconsideração da personalidade jurídica, faz-se necessária a citação dos sócios que serão integrados ao pólo passivo.
III – omissis
2. PODER GERAL DE CAUTELA. CONSTRIÇÃO CAUTELAR E DE OFÍCIO DE PATRIMÔNIO DO SÓCIO DA EMPRESA EXECUTADA, IMEDIATA À DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DESTA. CABIMENTO.Desconsiderada a personalidade jurídica da executada para atingir o patrimônio dos sócios, em se constatando a insuficiência de patrimônio da empresa, cabe a imediata constrição cautelar de ofício do patrimônio dos sócios, com fulcro no art. 798 do Código do Processo Civil (CPC), inclusive por meio dos convênios Bacen Jud e Renajud, antes do ato de citação do sócio a ser incluído no pólo passivo, a fim de assegurar-se a efetividade do processo.
SÓCIO RETIRANTE
Aplica-se à responsabilização do sócio o art. 1003 do CC.
Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade.
Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio.
A necessidade de que os pedidos se refiram ao tempo em que o ex-sócio integrava a sociedade está consagrada também na Jornada de Execução:
10. FRAUDE À EXECUÇÃO. DEMONSTRAÇÃO. PROCEDIMENTO.
III – A responsabilidade do sócio retirante alcança apenas as obrigações anteriores à sua saída.
Acerca da aplicação desse artigo existem quatro correntes:
1. Os dois anos se referem ao prazo em que o ex-sócio terá responsabilidade, mesmo não integrando a sociedade. Assim, as dívidas contraídas após sua saída, limitadas a 2 anos, são de sua responsabilidade, independente da data de ajuizamento da ação. Acho absurda, mas existe e há julgados minoritários nesse sentido.
2. Não se aplica a limitação de prazo no caso de dívida trabalhista, mas desde que seja relacionado a fatos à época em que ele era sócio, acrescendo como fundamento que o crédito trabalhista é da natureza não-negocial e privilegiada, além do que é de se presumir que por ser sócio à época, ele se beneficiou da prestação de serviços, devendo, por isso mesmo, responder pelo débito.
3. Os dois anos contam-se desde a averbação da saída até a data do ajuizamento da ação. Nessa teoria, a maioria da jurisprudência exige também que a dívida seja decorrente do período em que o ex-sócio integrava a sociedade.
4. Os dois anos contam-se desde a averbação da saída até a penhora do patrimônio do ex-sócio. Também nessa teoria, a maioria da jurisprudência exige também que a dívida seja decorrente do período em que o ex-sócio integrava a sociedade. Essa corrente praticamente esvazia o conteúdo da norma, já que a experiência comum revela que é praticamente impossível que se opere o trânsito em julgado, se fruste a execução em face do devedor principal, se desconsidere a personalidade jurídica e se realize a penhora de bens do ex-sócio dentro de apenas 2 anos.
DESCONSIDERAÇÃO – CLUBE DE FUTEBOL
Em relação aos clubes de futebol, deve-se ter em mente duas coisas. A primeira é que a Lei Pelé previu a possibilidade de os clubes adotarem as formas societárias previstas no CC. Ocorreram muitas mudanças nessas normas e, em síntese, atualmente existe a faculdade e não mais obrigatoriedade do clube que adota a forma de associação se constituir em empresa.
Art. 27. […]
§ 9o É facultado às entidades desportivas profissionais constituírem-se regularmente em sociedade empresária, segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil. (Incluído pela Lei nº 10.672, de 2003)
Pois bem, se o clube se constituir em empresa poderíamos pensar poder-se-ia pensar que, então, se aplicariam as regras gerais da desconsideração. E, em relação aos clubes que não se constituíssem em empresa, o § 11 do mesmo art. 27 previa que os clubes que seriam aplicados os institutos da sociedade em comum, ou seja, responsabilidade solidária e ilimitada, independente de desconsideração, já que ela não existiria formalmente.
Mas a situação que temos com o advento da Lei nº 12.395, de 2011 é o caput do art. 27 prevendo que, independente da forma adotada pela entidade de prática desportiva, os bens particulares de seus dirigentes só podem ser atingidos na hipótese de aplicarem créditos ou bens sociais da entidade desportiva em proveito próprio ou de terceiros. E o novel § 11º do art. 27 prevê que os administradores de entidades desportivas profissionais respondem solidária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados, de gestão temerária ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto:
Art. 27. As entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais e as entidades de administração de desporto ou ligas em que se organizarem, independentemente da forma jurídica adotada, sujeitam os bens particulares de seus dirigentes ao disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, além das sanções e responsabilidades previstas no caput do art. 1.017 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, na hipótese de aplicarem créditos ou bens sociais da entidade desportiva em proveito próprio ou de terceiros. (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003)
§ 11. Os administradores de entidades desportivas profissionais respondem solidária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados, de gestão temerária ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto, nos termos da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).
Temos, então, duas situações: a possibilidade de desconsideração no caso de na hipótese de aplicarem créditos ou bens sociais da entidade desportiva em proveito próprio ou de terceiros ou a responsabilidade solidária e ilimitada dos administradores nos casos de atos ilícitos, gestão temerária ou violação do contrato.
A partir daí certamente teremos duas correntes: a que entenderá que não pagar créditos trabalhistas sem demonstração de justificativa plausível configura ato ilícito e a que não comungará de tal entendimento, exigindo a violação legal de deveres inerentes aos múnus de administrador.
É possível encontrar jurisprudência aplicando a teoria menor e jurisprudência aplicando a teoria maior da desconsideração:
EMENTA. EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REDIRECIONAMENTO. DIRIGENTE DE ENTIDADE DE PRÁTICA DESPORTIVA. LEI PELÉ. A inadimplência quanto aos créditos trabalhistas e o insucesso da execução contra a sociedade devedora autoriza a responsabilização dos dirigentes ou sócios de entidades de práticas desportivas, apenas quando aplicarem créditos e bens sociais da entidade em proveito próprio ou de terceiros, ou agirem com abuso de direito, excesso de poder, infração à lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos, inviabilizando a execução.(TRT18, Processo: AP 0000328-97.2011.5.18.0007, DEJT 17/12/2012)
LEGITIMIDADE PASSIVA. DESPERSONALIZAÇÃO. DIRIGENTE DE TIME DE FUTEBOL. A norma emergente do artigo 1.016 do Código Civil, em estreita ligação com a tese de abuso da personalidade jurídica constante do art. 50 do mesmo código, em junção com os artigos 8º da CLT e 28 da Lei n.º 8.078/90, oferece amparo suficiente para a manutenção do executado, presidente do clube de futebol executado, na polaridade passiva da execução, na forma do artigo 592, II, do CPC, na medida em que, no mínimo é possível detectar a existência de culpa in vigilando e in eligendo do gestor, pois, sendo ele presidente do clube, permitiu a prestação de atividade laboral na ausência de ativo financeiro capaz de satisfazer os créditos de natureza alimentar, causando evidente prejuízo ao exequente. Recurso do executado ao qual se nega provimento. (TRT23, AP 192200702223000 MT 00192.2007.022.23.00-0, DESEMBARGADORA BEATRIZ THEODORO, DJ 23/05/2011)
DESCONSIDERAÇÃO – COOPERATIVA
Em relação às cooperativas, há um dispositivo que permite atingir os administradores no caso de procederem com dolo ou culpa, podendo se cogitar de aplicar culpa in vigilando.
Art. 49. Ressalvada a legislação específica que rege as cooperativas de crédito, as seções de crédito das cooperativas agrícolas mistas e as de habitação, os administradores eleitos ou contratados não serão pessoalmente responsáveis pelas obrigações que contraírem em nome da sociedade, mas responderão solidariamente pelos prejuízos resultantes de seus atos, se procederem com culpa ou dolo.
Parágrafo único. A sociedade responderá pelos atos a que se refere a última parte deste artigo se os houver ratificado ou deles logrado proveito.
É possível considerar, ainda, o art. 4º, V e § 3º, da Lei 6830, em relação ao crédito trabalhista por aplicação supletiva (art. 889) ou, pelo menos, ao crédito previdenciário:
Art. 4º – A execução fiscal poderá ser promovida contra:
V – o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado; e
§ 3º – Os responsáveis, inclusive as pessoas indicadas no § 1º deste artigo, poderão nomear bens livres e desembaraçados do devedor, tantos quantos bastem para pagar a dívida. Os bens dos responsáveis ficarão, porém, sujeitos à execução, se os do devedor forem insuficientes à satisfação da dívida.
Tal interpretação encontra supedâneo na jurisprudência:
EMENTA: COOPERATIVA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. Cabível a desconsideração da personalidade jurídica de cooperativa, com o prosseguimento da execução em face de seus dirigentes, quando provado nos autos o caráter fraudulento da contratação do autor e a sua atuação como mera intermediária de mão de obra. (TRT 3ª R. – AP 01545200401903410 – 5ª T – Relª Juíza Convocada Maria Cecília Alves Pinto- DOJT 25.05.2009.)
EXECUÇÃO EM FACE DE COOPERATIVA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE NÃO ALCANÇA MEMBROS DO CONSELHO FISCAL. O membro do Conselho Fiscal de cooperativa-executada não pode ser alcançado pela desconsideração da personalidade jurídica. A Lei nº 5.764/71 regulamenta o regime jurídico das sociedades cooperativas, a qual disciplina, em seu art. 49, a responsabilidade de seus administradores eleitos ou contratados pelas obrigações contraídas O Conselho Fiscal da cooperativa possui a finalidade de fiscalização da administração, sendo expressamente vedada a cumulação de cargos nos órgãos de administração e de fiscalização, conforme teor do art. 56 da Lei nº 5. 764/71 e seu parágrafo 2º, o que exclui, em definitivo, a possibilidade de se considerar o membro do conselho fiscal possuidor de atribuições de administração da cooperativa, de modo que a desconsideração da personalidade jurídica da entidade não envolve os membros do conselho fiscal. (TRT 02ª R.; AP 00751-2009-041-02-00-7; Ac. 2010/0756799; Quarta Turma; Rel. Des. Fed. Ricardo Artur Costa e Trigueiros; DOESP 27/08/2010; Pág. 268)
EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DO EMPREGADOR. RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS DA COOPERATIVA. Havendo descumprimento de direitos trabalhistas da cooperativa reclamada, os sócios cooperados respondem pela execução que se processa, em face da desconsideração da personalidade jurídica que se impõe (art. 50 do Código Civil). (TRT 03ª R.; AP 84300-66.2008.5.03.0110; Sétima Turma; Rel. Des. Paulo Roberto de Castro; DJEMG 29/09/2011; Pág. 139)
REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO. RESPONSABILIDADE DE DIRETOR DE COOPERATIVA. No caso de descumprimento de direitos trabalhistas da cooperativa reclamada, deve o diretor responder pela execução que se processa, em face da desconsideração da personalidade jurídica que se impõe. (art. 50 do Código Civil). Agravo provido. (TRT 04ª R.; AP 0358200-98.2005.5.04.0232; Sétima Turma; Rel. Des. Marçal Henri dos Santos Figueiredo; Julg. 03/08/2011; DEJTRS 12/08/2011; Pág. 121)
DESCONSIDERAÇÃO – CONDOMÍNIO
Inicialmente, merece salientar que este não é uma pessoa jurídica na estrita acepção do termo, tanto que não incluso em qualquer das hipóteses do art. 44 do CC.
Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I – as associações;
II – as sociedades;
III – as fundações.
IV – as organizações religiosas; (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)
V – os partidos políticos. (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)
VI – as empresas individuais de responsabilidade limitada. (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011) (Vigência)
Embora se lhe reconheça capacidade processual anômala para figurar em juízo, não seria possível a superação episódica da personalidade jurídica do Condomínio, justamente por não se caracterizar como ente juridicamente personificado.
CONDOMÍNIO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE MULTA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DE CONDOMÍNIO EDILÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. ENTE DESPROVIDO DE PERSONALIDADE JURÍDICA EM SENTIDO ESTRITO. INSUBSISTÊNCIA DO PEDIDO. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Agravo Nº 70042682625, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 26/05/2011)
Conquanto não se possa falar tecnicamente em desconsideração da personalidade jurídica, existe responsabilidade das dívidas pelos condôminos.
Para alguns, o condomínio seria o empregador em função dos contornos fluídos do art. 3º da CLT, que não exige personalidade jurídica para tanto, de maneira que a responsabilidade inicial seria sempre do condomínio. Mas alguns frisam que os condôminos constituem, em conjunto, o real empregador, consoante se inferiria da inteligência do art. 2º da Lei 2757/56:
Art. 2º São considerados representantes dos empregadores nas reclamações ou dissídios movimentos na Justiça do Trabalho os síndicos eleitos entre os condôminos.
RECURSO DE REVISTA – DANO MORAL – RESPONSABILIDADE CIVIL DO CONDOMÍNIO EQUIPARADO A EMPREGADOR – AGRESSÃO PRATICADA POR CONDÔMINO. O condomínio equipara-se a empregador, conforme artigo 2º da CLT, de maneira que responde pela higidez física e moral de seus empregados, enquanto estiverem no ambiente de trabalho. Assim, se o empregado do condomínio sofrer dano físico e moral durante a jornada de trabalho, quando estava, pois, sob a tutela de seu empregador, deve o condomínio responder pelo dano causado. Cumpre ressaltar que cada condômino, ao tratar pessoalmente com os empregados do condomínio, está na posição de empregador, pois os condôminos são proprietários e, sendo a coisa de uso comum, cada um possui sua parte ideal do bem, o que lhe garante exercer determinados direitos sobre a parte que lhe cabe. Desta forma, ao agredir física e/ou verbalmente o empregado, o condômino abusa verdadeiramente da subordinação jurídica decorrente da relação de emprego, o que enseja a responsabilidade de indenização por dano moral, inclusive em face do disposto no art.7º, XXVIII, da CF. Recurso conhecido e provido. (RR – 1464-27.2010.5.20.0002 , Relator Juiz Convocado: Sebastião Geraldo de Oliveira, Data de Julgamento: 07/12/2011, 8ª Turma, Data de Publicação: 12/12/2011)
Nesse enfoque de considerar os condôminos como empregadores, uma corrente equipara a situação a um grupo empresarial e entende que a dívida pode ser cobrada de qualquer dos condôminos, caso insuficientes os bens do condomínio, facultado o direito de regresso daquele que pagou, excluída a sua proporção.
Contudo, independente de considerá-los como empregadores, os condôminos teriam responsabilidade proporcional pelas dívidas trabalhistas, em função do disposto no art. 3º da Lei 2757/56.
Art. 3º Os condôminos responderão, proporcionalmente, pelas obrigações previstas nas leis trabalhistas, inclusive as judiciais e extrajudiciais.
EMENTA: “RESPONSABILIDADE DO CONDÔMINO – Mesmo que legítimo o prosseguimento imediato da execução contra o condômino, esta deve ser efetuada com a observância da proporção de sua quota parte. Agravo de petição parcialmente provido.” (TRT 4ª Região, AP 00290-2005-461-04-00-5, Ac. 7ª T, Rel. Desembargadora Flávia Lorena Pacheco)
Ari Pedro Lorenzetti adverte, contudo, que à míngua de bens, qualquer condômino responderia pelo todo:
“No tocante aos condomínios horizontais, embora a respectiva administração tenha legitimidade para contratar empregados, quando o faz age como representante dos condôminos. ‘Trata-se (…) de representação meramente formal: os empregadores são os condôminos, como ressalta o art. 2o da Lei nº 2.757, condôminos que respondem, proporcionalmente, pelas obrigações trabalhistas (art. 3o).’ Todavia, ‘os direitos dos que trabalham no prédio respectivo devem ser exercidos contra a administração do edifício, e não contra cada condômino em particular.’ Entretanto, não havendo bens suficientes no patrimônio do condomínio, a dívida poderá ser cobrada de qualquer condômino. Conforme salienta Francisco Antonio de Oliveira, a dívida trabalhista é indivisível. Assim, não sendo paga pelo condomínio, nem tendo este bens para garantir a execução, poderão ser penhorados bens de qualquer condômino, pelo valor total da dívida.”
Atente-se também para responsabilidade subsidiária do condomínio no caso de terceirização e, assim terciária dos condôminos, conforme notícia abaixo:
Condomínios respondem por dívidas trabalhistas não pagas por empresa de conservação e limpeza
Contratar empresas que prestam serviços gerais de limpeza e conservação dos edifícios, em vez de manter um quadro próprio de pessoal para essas funções, tem sido prática cada vez mais adotada pelos condomínios mineiros, sejam eles residenciais ou comerciais. A medida pode até ser econômica, mas é preciso ter cuidado na hora da contratação, pois a economia inicial pode se reverter em prejuízos futuros. É que, se a empresa de conservação e limpeza não quita corretamente suas obrigações trabalhistas e previdenciárias, os contratantes podem ser chamados a responder pelos créditos devidos aos empregados que lhes prestaram serviços.
A Justiça do Trabalho considera que quem contrata serviços através de empresas fornecedoras de mão-de-obra tem a obrigação de atentar para a escolha de empresa idônea e em boa situação financeira, que não cause prejuízo aos empregados. Caso contrário, irá responder pela má escolha (“culpa in eligendo”) e por não fiscalizar o cumprimento das obrigações da empresa para com os empregados (“culpa in vigilando”). A responsabilidade, nesses casos, é secundária (subsidiária), o que significa dizer que a devedora principal continua sendo a empresa que contratou o trabalhador e explorou a sua mão-de-obra, mas caso esta não pague, a empresa que se beneficiou dos serviços prestados será chamada a quitar a débito trabalhista.
Situações como essas são mais comuns do que se imagina na Justiça do Trabalho mineira. São muitos os processos em que empresas e condomínios residenciais ou comerciais são chamados a responder pelos direitos trabalhistas sonegados aos prestadores de serviços pelos seus reais empregadores. E isto acontece ainda que o contrato de natureza civil celebrado com a empresa intermediadora de mão-de-obra seja perfeitamente legal. É o que esclareceu o juiz Marcos Penido de Oliveira, titular da 38ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, ao condenar dois condomínios residenciais da capital a arcar com os créditos trabalhistas devidos a uma faxineira, que prestava serviços a ambos os condomínios através de uma empresa de serviços gerais: “Ocorre, que a licitude na relação jurídica evidenciada não exclui a responsabilidade dos reclamados, face aos direitos sociais e trabalhistas garantidos na Constituição Federal (art. 1º, III e IV; art. 3º, I, III; art. II; art. 6º; art. 7º, caput e inciso VI, VII, X, art. 100 e art. 170, III), bem assim diante do disposto no artigo 186 do CCB” , pontuou.
De acordo com o juiz, diante da inadimplência total da real empregadora, a responsabilidade subsidiária dos condomínios, beneficiários dos serviços, é medida necessária para resguardar os direitos da empregada, a teor da Súmula 331, do TST. “A responsabilidade imposta aos reclamados tem por escopo a efetiva tutela advinda das normas trabalhistas, assegurando o recebimento do crédito de caráter alimentar pela reclamante, recaindo sobre eles diretamente a execução acaso frustrada relativamente à devedora principal, inclusive multas” , frisou.
No caso, como a reclamante trabalhava duas vezes por semana para um condomínio e três vezes por semana para o outro, os devedores subsidiários responderão proporcionalmente a esse tempo trabalhado, pelas verbas deferidas na sentença, inclusive pela indenização substitutiva do Seguro Desemprego e multa de 40% sobre o FGTS, além de saldo de salário, aviso prévio, férias e multa rescisória.
( nº 01071-2009-138-03-00-0 )
Fonte: TRT-MG
DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA
O instituto da desconsideração encontra sua gênese no afastamento episódico do véu da personalidade jurídica da empresa, mitigando-se a teoria da autonomia patrimonial do direito empresarial.
Percebe-se, portanto, que a teoria partia da desconsideração da personalidade da empresa para atingir o sócio. Contudo, a evolução do instituto fez surgir a denominada desconsideração inversa, que, como o próprio nome sugere, representa o reverso da situação posta, ou seja, é o caso de a pessoa jurídica responder com seu patrimônio por dívidas pessoais de seus membros.
Conquanto se trate de hipótese excepcional, a jurisprudência nacional já contempla essa possibilidade, especialmente em sede de Direito de Família, quando o sócio casado transfere bens que fariam parte da comunhão matrimonial para a pessoa jurídica objetivando fraudar o regime patrimonial do casamento.
É o que sintetiza o enunciado 283 da Jornada de Direito Civil:
“É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada ‘inversa’ para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiro”.
No âmbito trabalhista, a jurisprudência também nos fornece precedente de aplicação da teoria inversa:
EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INEXISTÊNCIA DE BENS DO DEVEDOR PRINCIPAL OU DE SEUS SÓCIOS. EXISTÊNCIA DE EMPRESA DE PROPRIEDADE DO SÓCIO. MESMO RAMO DE ATIVIDADE. GRUPO ECONÔMICO. A pessoa jurídica não pode servir de anteparo para o inadimplemento de crédito exequendo, sendo a desconsideração da personalidade jurídica salutar solução para assegurar a satisfação final do crédito. Caso a pessoa física não apresente bens, mas seja proprietária de outra empresa, esta é passível de constrição de seus bens. O fato de serem ambas controladas pela mesma pessoa configura grupo econômico, que autoriza a penhora pela ocorrência da solidariedade. (TRT2, Processo 0088900-03.1988.5.02.0501, 14ª Turma, DEJT 22/07/2013)
A despeito de a ementa ser genérica o teor da fundamentação do acórdão exterioriza bem a questão, revelando se tratar do caso em que o sócio iria responder com seu patrimônio pessoal pela dívida da sociedade, mas que findou por constituir uma outra empresa para ocultar seus bens pessoais. Diante disso, atingiu-se bens da outra sociedade para viabilizar a constrição do patrimônio pessoal daquele sócio, o que é denominado para alguns de teoria expansiva da personalidade jurídica:
A desconsideração da personalidade jurídica da empresa é evolução doutrinária e jurisprudencial salutar, que veio assegurar maior efetividade ao cumprimento dos comandos jurisdicionais, permitindo que a excussão de bens prossiga sem empecilhos de ordem societária, atingindo a pessoa física, não parando na pessoa jurídica executada.
Contudo, mesmo a desconsideração da personalidade jurídica revela-se por vezes insuficiente, já que os representantes da empresa executada, mediante artifícios, logram ocultar-se, frustrando a execução.
No presente caso, a empresa executada encontra-se inadimplente e não possui bens para saldar seu débito, mas seus sócios constituem-se em detentores de quotas sociais de outras empresas. Desta forma, o prosseguimento da execução nos bens das empresas indicadas é perfeitamente possível, pois se insere no âmbito da desconsideração da personalidade jurídica, em forma inversa, vez que se passa da pessoa física do executado para pessoa jurídica atrás da qual se esconde para não responder à desconsideração que atingiu sua empresa anterior.
Na realidade, o procedimento é o mesmo, invertendo-se apenas ovetor da desconsideração, que, já devidamente apontado da pessoa jurídica para a pessoa física, passa desta para uma outra pessoa jurídica, sempre com o objetivo de evitar a fraude e os atentados à dignidade da justiça, pois sempre que a personalidade jurídica estiver sendo utilizada para sedimentar abuso de direito, deve ser desconsiderada, permitindo que o real devedor possa sofrer a excussão final dos bens que satisfaçam o crédito. Incide à hipótese o art. 9º da CLT.
Outra exemplificação da citada doutrina da desconsideração da personalidade jurídica expansiva é aquela em que se busca atingir o patrimônio de sócios ocultos que, por vezes, encontram-se escondidos na empresa controladora. É o caso, por exemplo, de os sócios resolverem encerrar irregularmente a atividade da pessoa jurídica e, paralelamente, criar outra sociedade, cujas atribuições são idênticas, ou ao menos bem assemelhadas, às da primeira, como forma de fraudar a lei. Nestas situações, fala-se na desconsideração expansiva da personalidade jurídica para, episodicamente, afastar o véu da sociedade nova e responsabilizar os sócios que nela se ocultam. A jurisprudência tem aceitado essa expansão, desde que comprovada a presença do sócio oculto.
Tal exegese restou consagrada na Jornada de Execução Trabalhista:
5. SÓCIOS OCULTO E APARENTE. AMPLIAÇÃO DA EXECUÇÃO. Constatada durante a execução trabalhista, após a desconsideração da personalidade jurídica, que o executado é mero sócio aparente, deve-se ampliar a execução para alcançar o sócio oculto. Tal medida não viola a coisa julgada.
Frise-se, ainda, que a desconsideração atinge não apenas sócios, mas também administradores, conforme previsão constante no art. 50 do Código Civil:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
É necessário esclarecer, contudo, que muitas vezes os adminsitradores não estão designados no Contrato Social e se ocultam, podendo-se utilizar o Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional para tal investigação, na esteira do entendimento consagrado no Enunciado n. 11 da Jornada de Execução:
11. FRAUDE À EXCECUÇÃO. UTILIZAÇÃO DO CCS. 1. É instrumento eficaz, para identificar fraudes e tornar a execução mais efetiva, a utilização do Cadastro de Clientes no Sistema Financeiro Nacional (CCS), com o objetivo de busca de procurações outorgadas a administradores que não constam do contrato social das executadas.
TEORIA “ULTRA VIRES” E A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Como salientado acima, a pessoa jurídica tem personalidade jurídica e patrimônio próprio, distinto de seus membros, de maneira que, via de regra, é ela quem responde com seus bens pelas dívidas sociais.
Ocorre que o Código Civil elenca algumas hipóteses em que a sociedade não responde pelos atos de seus administradores praticados com excesso de poderes, conforme se extrai do art. 1.015, parágrafo único, do Código Civil:
Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.
Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:
I – se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade;
II – provando-se que era conhecida do terceiro;
III – tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.
Sob a égide do Código Civil de 1916, era observada a teoria da aparência (credor putativo) nas hipóteses previstas em tal dispositivo legal, recaindo sobre a sociedade a responsabilidade pelos atos de seus administradores mesmo quando feitos com abusividade, fora do objeto social da pessoa jurídica, a fim de preservar a boa fé de terceiros.
Contudo, com o advento do Novo Código Civil (art. 47), houve a consagração da teoria “ultra vires”, por meio da qual a sociedade não responde pelos atos dos administradores fora de seus objetivos sociais e dos limites legais, o que é considerado pela doutrina civilista como patente retrocesso social.
Cumpre frisar, porém, que a teoria “ultra vires” é adotada para os credores civis comuns, não sendo razoável sua incidência para relações trabalhistas e consumeristas, que são assimétricas, não possuindo os credores não-negociais de disponibilidade para investigação da regularidade dos atos praticados pelos administradores.
Além disso, havendo prestação de serviços à sociedade, haverá consequentemente benefício para sociedade, ainda que tal gestor não possuísse poderes para contratação daquele empregado, sendo imperioso destacar que a “ultra vires” só pode ser aplicada quando a sociedade não se beneficiar do ato praticado pelo administrador.
Demais disso, haveria culpa “in eligendo” pela má escolha do administrador, respondendo a sociedade pelos atos que aquele praticar.
Desse modo, reconhecida a responsabilidade da sociedade e não havendo o adimplemento por esta, os sócios responderão pela dívida, não podendo alegar que desconheciam as ilegalidades trabalhistas praticadas pelo administrador para tentarem se eximir das responsabilidades pessoais.
É certo, todavia, que em determinadas hipóteses concretas pode-se concluir pela responsabilidade exclusiva do administrador, quando, por exemplo, este simular a existência do contrato de trabalho inexistente para beneficiar determinada pessoa (parente ou amigo).
CONCLUSÃO
Diante de todo o articulado, conclui-se que a desconsideração da personalidade jurídica dos sócios é medida de restauração da Justiça Comutativa assecuratória do crédito alimentar, mas que deve ser realizada com respeito aos valores processuais constitucionais, esperado-se, ainda, ter contribuído para o enfrentamento das questões polêmicas no processo trabalhista.
REFERÊNCIAS
LORENZZETI, Ari Pedro. A responsabilidade pelos créditos trabalhistas, Editora LTr, São Paulo, 2003.
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de Direito Empresarial, 2ª edição, Editora Jus Podvim, 2009.
SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2012.
Autor
Iuri Pereira Pinheiro é Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera
