O CASAMENTO E O DEVER DE FIDELIDADE: Uma análise legal e jurisprudencial acerca da responsabilidade civil em decorrência da infidelidade
O casamento é um dos institutos mais antigos dentro do ordenamento jurídico mundial, no qual merece destaque quando estudado. O casamento possui certas particularidades, nas quais se podem elencar os deveres e os direitos após a celebração do ato, que é o marco inicial do matrimônio. A fidelidade é um dos deveres talhados no rol do art. 1.566 do Código Civil de 2002, que diz que ambos s cônjuges devem observar o dever de ser fiel um ao outro, enquanto durar o casamento. Cumpre salientar que o dever de fidelidade caso não seja respeitado por um dos cônjuges ou por ambos, pode abrir as portas do poder judiciário para ação indenizatória visando à reparação do dano sofrido. O estudo vai abordar também, as espécies de infidelidade, e dar um norte no que tange os pressupostos para configurar o dano. Por fim, serão elencados alguns julgamentos referentes ao tema, com o escopo de corroborar todo o exposto no conteúdo estruturado.
Por | Oswaldo Moreira Ferreira
1. INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil no direito de família é um tema repleto de decisões controvertidas, o que dificulta uma padronização do entendimento por parte dos juristas. Contudo, não se pode esquecer que cada caso é um caso e as provas produzidas em um determinado processo, não serão produzidas em outro, mas que terão o mesmo peso na hora da sentença por parte do magistrado, tendo em vista se tratar de um julgamento subjetivo, ou seja, o juiz que decide se restou comprovado o dano.
O tema exposto traz à baila inúmeros julgamentos com quase o mesmo pensamento, afirmando que se há dano moral, que comprove nos autos e de maneira cristalina. Não basta apenas colacionar determinadas provas do ato ilícito praticado pelo cônjuge adultero, mas sim de comprovar que não apenas sua imagem foi denegrida e por via de consequência sua honra, perante toda a sociedade e perante as pessoas do seu convívio.
Sendo assim, o presente estudo ficará restrito em analisar a responsabilidade civil dentro do matrimônio quando ocorre a quebra do dever de fidelidade e se este ato ilícito praticado é passível de valoração.
2. O DEVER DE FIDELIDADE ENTRE OS CÔNJUGES
Ao contrair o matrimônio, os cônjuges passam a ter que observar os direitos e principalmente os deveres adquiridos. Para o presente trabalho será abordado apenas os deveres conjugais, e, em principal o dever da fidelidade. Elencados nos incisos do artigo 1.566 do Diploma Civil Brasileiro, os deveres conjugais são os seguintes: a fidelidade recíproca, a vida em comum, no domicilio conjugal, a mútua assistência, o sustento, guarda e educação dos filhos e por fim o respeito e consideração mútuos (BRASIL, 2002).
Primeiramente serão conceituados os deveres elencados nos incisos II à V do artigo 1.566 do Código Civil [1], até porque o alvo do estudo do presente trabalho está focado na fidelidade. A coabitação citada no inciso II do artigo supramencionado refere-se à vivência dos cônjuges sobre o mesmo domicilio. Há de ser ressaltado que a coabitação, pode ser reconhecida mesmo não estando os cônjuges vivendo sob o mesmo teto todos os dias, como nos casos dos oficiais e marujos da marinha, os viajantes, dentre outros, desde que o intuito de não estar presente, seja o bem do casal e de seus filhos.
Já o dever da mútua assistência, talhado no inciso III, do artigo 1.566 do Codex Civil Brasileiro, consiste nos cuidados na cerimônia do casamento, tais como, amor na riqueza ou na pobreza, na saúde ou na doença. Indo de encontro com o entendimento supracitado, a doutrinadora Maria Berenice Dias, traça de forma clara a essência da mútua assistência, senão veja-se:
A promessa de amor e respeito, na alegria e na tristeza, na pobreza e na riqueza, na saúde e na doença, feita na cerimônia religiosa do casamento nada mais significa do que o compromisso de atender ao dever de mútua assistência […] (DIAS, 2010, p. 259)
No que tange ao dever do sustento, guarda e educação dos filhos, citado no inciso IV, do artigo 1.566 do Código Civil de 2002, o ordenamento jurídico brasileiro além do inciso mencionado acima, tem-se ainda o artigo 227 caput da Carta Magna de 1988 e o artigo 4º do Estatuto da Criança do Adolescente, para ampara o dever supramencionado. Esse dever é o pilar a ser sustentado pelos pais para que seus filhos tenham todo suporte necessário para evoluírem socialmente.
Passando pelo artigo 1.566 em seu inciso V, o respeito e consideração mútuos, estão relacionados há ideia de direitos da personalidade, da vida, da honra, dentro, caso ocorra ofensa a esses direitos, acarretará o desrespeito aos direitos acima mencionados.
Por fim e o mais importante dever conjugal, tem-se a fidelidade, elencada no inciso I do artigo 1.566 do Diploma Civil Brasileiro, também conceituado como a lealdade, levando em consideração aspectos físico e moral, que deverão ser observados por ambos os cônjuges.
Maria Berenice Dias conceitua o dever de fidelidade como imposição estatal, senão veja-se: “O dever de fidelidade é uma norma social, estrutural e moral, […]” (DIAS, 2010, p. 255)
Trazendo a baila o assunto para se discutir o tema do presente trabalho a infidelidade é capaz de gerar o dano moral? O dano moral é configurado apenas com a infração do dever conjugal supramencionado?
Como leciona a doutrinadora sulina Maria Berenice Dias, o dever de fidelidade, não é mais passível de acarretar punições tanto na esfera criminal, quanto na esfera civil, visto que o instituto da separação civil restou extinto com o advento da Emenda Constitucional 66 de 2010, sendo que com o fim da separação, findou-se o sentido de obrigar o cônjuge a respeitar o dever da fidelidade, podendo apenas sofrer sanção penal, como o crime da bigamia.
Ao cônjuge enganado resta apenas pleitear a ação de divórcio, seja ele consensual ou litigioso, pois no advento da emenda supracitada, a separação civil tornou-se uma letra morta dentro do ordenamento jurídico brasileiro, não mais podendo ser ajuizada. Com isso o dever de fidelidade recíproca entre os cônjuges, foi extinto, haja vista que, no divórcio, não se faz necessária a prova da culpa.
3. BREVE ANÁLISE DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Primeiramente, cabe salientar que o campo da responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro é vasto, sendo assim, o presente estudo ficará restrito aos dispositivos no Código Civil, quais sejam os artigos 186, 187 e 927.
Nesta esteira o Código Civil de 2002 em seu artigo 186, dispõe que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL, 2002).
Em cristalinas palavras, por ato ilícito pode ser aplicado o seguinte entendimento, como sendo aquele que é praticado em detrimento de um dever legal ou contratual e que vise causar danos a outrem, de modo a ocasionar a repulsa do ordenamento jurídico e de forma coercitiva obrigando o ofensor a reparar todos os prejuízos causados ao lesado (FERREIRA, 2017).
Pelo exposto acima, pode-se entender que o dano moral, decorre da prática de determinado ato ilícito, que visa denigrir à imagem de alguém, ferir sua honra e seu bom perante toda a sociedade.
Insta salientar que os bens jurídicos acima mencionados são tutelados perante o ordenamento jurídico pátrio, tanto constitucionalmente, quanto pelo código civil (FERREIRA, 2017). Expresso na Carta Magna de 1988, no artigo 5º, inciso X, o dano moral encontra apoio para reivindicações judiciais, como se observa “X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação” (BRASIL, 1988).
Além dos dispositivos mencionados acima, não se pode deixar de observar os artigos 187 e 927, ambos do Código Civil de 2002 (FERREIRA, 2017): “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (BRASIL, 2002). E também o art. 927: “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (BRASIL, 2002).
Além de todo conteúdo supracitado, para finalizar a responsabilidade civil faz-se necessário mencionar os quatro pressupostos elencados por Silvio Rodrigues para que se configure o dano moral, o qual será citado: “a ação ou omissão do agente, a culpa do agente, a relação de causalidade e o dano experimentado pela vítima” (RODRIGUES, 2003, p. 13/14).
4. DANO MORAL DA RELAÇÃO CONJUGAL
No que se refere à indenização, em decorrência da quebra de um ou mais deveres conjugais, o ordenamento jurídico brasileiro não está agasalhado com normas específicas, tendo apenas como base os deveres conjugais elencados no artigo 1.566 e no que se refere ao dano moral, o mesmo encontra-se incluso nos artigos 186, 187 e 927, ambos do Diploma Civil Brasileiro [2].
A intensidade dos danos, por sua vez, dentre outros aspectos, como o nível social dos envolvidos e a repercussão do fato no seio familiar e no âmbito social, também se acha intimamente ligada ao menor ou maior grau de incidência na vítima, fator determinante da sua angústia e sofrimento íntimo, e de igual modo à desenvoltura com que atua o infrator e a ostensiva ou contida publicidade que empresta ao relacionamento extraconjugal, devendo tais aspectos ser devidamente considerados para o sopesamento e fixação da sanção compensatória pelo julgador.
Nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça, já se posicionou no que tange a cumulação de pedidos nas ações de separação ou divórcio, cumuladas com pedido indenizatório, senão veja-se o posicionamento do Ministro Nilson Naves:
O sistema jurídico brasileiro admite, na separação e no divórcio, a indenização por dano moral. Juridicamente, portanto, tal pedido é possível: responde pela indenização o cônjuge responsável exclusivo pela separação. Caso em que, diante do comportamento injurioso do cônjuge varão, a Turma conheceu do especial e deu provimento ao recurso, por ofensa ao art. 186 do Cód. Civil, para admitir a obrigação de se ressarcirem danos morais (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2001).
Ao que me parece que a inquirição da dor e da humilhação se reserva aos mais sensíveis ou sugestionáveis. Tal entendimento não pode justificar, assim, a elisão do gravame indenizatório porquanto, como é sabido, o dano moral se apura em vista do sujeito comum, objetivamente considerando se a conduta, após a apuração de liame causal, é hábil a causar constrangimento.
Certo é que, nessas hipóteses, a aferição do efeito lesivo da conduta na subjetividade da vítima há de ser objetiva, bastando para o decreto condenatório a apuração da falta e a habilidade desta para padecer, afeiçoando-se razoável e mesmo imperativa a fixação de um quantum respeitante, gize-se, dos escopos compensatórios e punitivo que dele se espera.
Pelo que já expulsado, torna-se inquestionável que o adultério, mais que causar padecimento na vítima, repercute negativamente na sociedade, caracterizando, et pour cause, aquele lecionamento no plexo moral do consorte traído que reclama a competente sanção.
Impossível, por certo, adentar aos recônditos mais íntimos do indivíduo para perscrutar o impacto lecionador da infidelidade. Contenta-se o direito em admitir que a própria conduta, ordinariamente, deixa cicatrizes no ânimo e na honradez, atestando para o direito à existência da dor.
Partindo do entendimento que, o legislador elencou no artigo 1573 inciso I, o adultério, como um dos motivos que possam caracterizar a impossibilidade da vida em comum entre os cônjuges, senão veja-se: “Art. 1573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos: I – adultério” (BRASIL, 2002). Como já mencionado, o legislador inovou ao estabelecer o fim do casamento através do divórcio desde 1977, com o advento da lei do divórcio, visto que, antes só se podia tornar o casamento invalido através de sentença judicial, desde que provada a falta grave no relacionamento. Inovou ainda mais com a emenda constitucional 66 de 2010 [3].
Então para que atrelar ao fim do casamento um valor a ser indenizado? Estaria então se perdendo o valor sentimental do casamento, como já explicado anteriormente, seria o casamento um contrato, onde se poderia estipular prazo, valor, ou seria o casamento um contrato especial? O entendimento adotado, onde os nubentes perante o Estado firmam entre si um contrato, sendo já estipulado neste, direitos e deveres a serem respeitados enquanto durar o matrimônio. Vale lembrar que analisando analogicamente o casamento como um contrato, quando há quebra de um dos deveres conjugais, não é passível de gerar dano moral, como já mencionado e entendido pelo nosso Superior Tribunal de Justiça.
A doutrinadora Maria Berenice Dias, em sua obra Manual de direito das famílias, de forma fantástica ensina que a obrigação de indenizar na relação conjugal é incabível, haja vista que apenas é infringido um dever conjugal, não sendo praticado nenhum ato ilícito por parte do cônjuge adultero, senão veja-se:
O sonho do amor eterno, quando acaba, certamente traz dor e sofrimento, e a tendência sempre é culpar o outro pelo fim de um amor jurado eterno. O desamor, a solidão, a frustamento da expectativa de vida a dois não são indenizáveis. Para a configuração do dever de indenizar não é suficiente que o ofendido demonstre sua dor […]. Não cabe indenizar alguém pelo fim de uma relação conjugal. Pode-se afirmar que a dor e a frustamento, se não são queridas, são ao menos previsíveis, lícitas e, portanto, não indenizáveis (DIAS, 2010, p. 118/119).
Então como aplicar a caso concreto uma possível indenização em decorrência da infidelidade, se os próprios tribunais estaduais, vêm entendendo que o adultério, a infidelidade, gerada por qualquer motivo, não merece acolhimento, visto que, não se repara dor sentimental, pelo fim do casamento, com dinheiro, além de ferir um dos direitos mais estudados da Carta Magna de 88, a liberdade. A liberdade de contrair um novo relacionamento, não se atrelando ao antigo amor que não existe mais, é a melhor forma de serem esquecidas às magoas passadas, ao contrário disso, seria então melhor acorrentar a liberdade de ser feliz com outra pessoa, a uma masmorra, deixando de viver intensamente, um novo amor.
Não é através de dinheiro que se conquista a felicidade, que se vê reparada a dor do fim do relacionamento em decorrência da infidelidade, seria então atribuir valor ao amor que deixou de existir entre os cônjuges. Seria então mensurar valor a algo que ninguém jamais tentou avaliar. Também não se pode deixar de mencionar que a dor interna sempre vai existir com o fim do matrimônio, que pode ferir o honra de cônjuge traído, e até mesmo pode trazer traumas profundos, mas o que não se pode atribuir à prática é o valor indenizatório.
4.1. INFIDELIDADE MATERIAL
No que tange a infidelidade material, está poderá ser configurada quando um dos cônjuges passa a ter relações sexuais com outrem, o que por via de consequência acaba deixando o outro cônjuge à margem do isolamento. Tal ato ilícito, não só gera repúdio, como também possível dano moral a pessoa traída. A gravidade do dano pode ser medida pela dimensão da ação, ou seja, pela propagação do dano, podendo este ser até irreversível em determinados casos, como a infidelidade virtual, que será objeto de estudo posterior.
4.2. INFIDELIDADE MORAL
A infidelidade moral é aquela é mexe com o emocional do cônjuge adultero, o que restringe a relação apenas entre os amantes infiéis, o que leva o cônjuge traído ao esquecimento na ainda relação existente. Cabe ressalta que a infidelidade moral não trata do ato sexual, mais sim do vínculo amoroso entre os amantes, como olhares, as carícias, dentre outros atos.
O que se deve ter em mente é que quando os nubentes se casam, assumem perante o ordenamento jurídico pátrio não só apenas direitos, mas também deveres, sendo que esses podem também ser considerados como morais. Então caso haja infringência a qualquer dever conjugal, o cônjuge infrator comete ilícito moral, perante o instituto familiar e legal.
5. NOVOS TEMPOS, NOVAS TECNOLOGIAS: A UTILIZAÇÃO DA INTERNET PARA PRATICAR A INFIDELIDADE VIRTUAL
Os dias atuais, o uso da rede mundial de computadores para a mantença de mensagens e assuntos amorosos, inclusive aqueles com aprofundamento nas relações sexuais, onde os internautas se entregam à prática do chamado sexo virtual, vem causando, além de perplexidade na sociedade, mas também em nossos tribunais divergências doutrinárias sobre se a conduta iria ou não caracterizar o cometimento da prática de infidelidade em sua clássica acepção técnico-científica, tendo em vista que, não houve a conjunção carnal.
No tocante as decisões proferidas, com escopo de responsabilizar o cônjuge causador do dano, têm a decisão proferida pelo MM Juiz de Direito do Distrito Federal, Dr. Jansen Fialho de Almeida, que de forma cristalina demonstrou fundamentadamente o dever de indenizar a mulher traída virtualmente, onde nos mesmos e-mails restou comprovada a traição.
Processo: 2005.01.1.118170-3
Ação: REPARACAO DE DANOS
Requerente: Q. E. M.
Requerido: R. R. M.
Sentença
EMENTA: DIREITO CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES CONJUGAIS – INFIDELIDADE – SEXO VIRTUAL (INTERNET) – COMENTÁRIOS DIFAMATÓRIOS – OFENSA À HONRA SUBJETIVA DO CONJUGE TRAÍDO – DEVER DE INDENIZAR – EXEGESE DOS ARTS. 186 E 1.566 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 – PEDIDO JULGADO PROCEDENTE (DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS, 2008).
Na decisão do Magistrado de primeira instância, foi colocado que não apenas a troca de e-mails com a amante foi a causa que gerou o dano moral, mas sim a falta de assistência material e imaterial, levando o casal a passar por dificuldades financeiras, pois com a constantes viagens para a cidade de Goiânia, a situação financeira foi agravada.
Mas ocorre que, a maneira em que foi adquirida a prova contra o cônjuge infrator, foi ilícita, pois, a invasão da privacidade na tentativa de desmascarar a traição, foi praticada nas escuras sem o consentimento do mesmo, para tentar provar a culpa para se buscar a separação judicial, por falta de cumprimento dos deveres conjugais. Dando prosseguimento em sua sentença, o MM Juiz indeferiu a retirada das provas dos autos, visto que, elas não foram adquiridas de forma ilícita, restando comprovado nos autos de que o uso do computador era aberto a família, não recebendo qualquer restrição, por parte do cônjuge infiel.
Para tanto, é essencial citar a doutrina que adverte sobre quanto à forma de se adquirir provas, não sendo legais, as provas conseguidas de forma que contrariam direitos constitucionais garantidos, como o da inviolabilidade de correspondência, introduzida na Carta Magna de 1988 e no Diploma Penal Brasileiro, senão veja-se:
Art. 5º […]
XII – é inviolável o sigilo das correspondências e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meio ilícito (BRASIL, 1988).
No Diploma Penal Brasileiro:
Art.151. Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º – Na mesma pena incorre:
II- quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação telefônica entre pessoas;
Pena – detenção, de um a três anos (BRASIL, 1940).
No que tange a produção de provas a doutrinadora Maria Berenice Dias, destaca de forma brilhante que além de ser obtida de forma ilícita a prova apresentada na referida ação judicial atinge um direito positivado da Constituição Federal, justamente na parte das garantias e direitos fundamentais, onde o direito de privacidade é colocado a margem da ilegalidade, quando se utiliza de meios probatórios para se alcançar a devida indenização, como se vê:
O direito do traído esbarra num direito maior do seu consorte, que é tutelado em sede constitucional, de não ter sua intimidade e sua vida privada expostas e reveladas, de receber um tratamento digno e humano. Não se justifica sacrificar o direito à preservação da intimidade (DIAS, 2010, p. 257).
Nesse mundo cibernético, o que se sobressai é a interatividade estabelecida entre seus internautas, alimentando cada vez mais aquele momento íntimo entre os indivíduos e a liberdade/fantasia, a qual a rede disponibiliza, acarretando continuamente, efeitos e consequências de indiscutível repercussão na sociedade.
Mas o que interessa, particularmente, neste estudo, é o amante virtual, cujo relacionamento na época que não havia esse meio de comunicação era através de encontros às escondidas, e nos tempos atuais experimenta uma nova modalidade que dispensa o contato físico.
Contudo há de se manter focado na linha, que gera a banalização e diverge os contatos que ensejam a interação virtual, na maioria das vezes, motivada pela famosa curiosidade ou até mesmo pela diversão, entre os envolvidos. São também casos os encontros cibernéticos, em sua regra sendo utilizadas webcans para potencializar as situações de satisfação pessoal, corroborando que a violação de dever de fidelidade é factível por meios outros que não a conjunção carnal.
Contudo, a partir do entendimento que muitas das vezes as conversas em salas de bate-papo, ou e-mails, levam a consumação no mundo real, sendo que o cônjuge traído não é passível de sofrer dano moral, pois seria o mesmo que atribuir ao caso em tela valor ao amor que já não existe mais, sendo este o mesmo entendimento firmado pelos Juízes de Direito e Desembargadores em seus julgamentos, quando relacionam a incompatibilidade de mensurar valor ao dever infringido, na constância do casamento.
Salienta-se que no caso da infidelidade virtual é cabível o dano moral e consequentemente a indenização, levando-se em conta apenas que restou configurada a macula na honra pessoal, na imagem do cônjuge, visto que a divulgação do ato praticado é ampla, até mesmo porque a internet não faz parte apenas da sociedade em que a pessoa reside, mas sim, é um veículo global de divulgação das mais variadas matérias e conteúdos, ficando o cônjuge traído a mercê de comentários do mundo inteiro, pelo ato praticado pelo cônjuge infiel, visto que através da internet, tem-se uma ampla divulgação da imagem do cônjuge prejudicado.
6. ANÁLISE DA APELAÇÃO N. 2007.01-1.124579-6-DF SOBRE INFIDELIDADE VIRTUAL OU CYBERTRAIÇÃO.
Em uma breve análise do julgado abaixo citado, pode-se extrair o ensinamento de que não basta apenas sofrer o dano, têm que ser juntadas aos autos todas as provas que liguem o dano à ação do agente, para que reste configurada a responsabilidade civil.
São cristalinas as palavras do douto desembargador José Divino de Oliveira, em afirmar que não bastam apenas as provas da traição colacionadas nos autos, para que se configure o dano moral, mas sim necessitam ser juntadas provas que comprovem o ato ilícito contra a honra e imagem do cônjuge traído.
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios
Apelação Cível 2007 01 1 124579-6 APC
Órgão 6ª Turma Cível
Processo N. Apelação Cível 20070111245796APC
Apelante (s) VALERIA ALBUQUERQUE DE MAYRINCK
Apelado (s) LUIZ FERNANDO GOULART DE MIRANDA
Relator Desembargador JOSÉ DIVINO DE OLIVEIRA
Revisora Desembargadora VERA ANDRIGHI
Acórdão Nº 585.532
EMENTA
CIVIL. PROCESSO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. REJEITADA. INFIDELIDADE. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DANO MORAL CONFIGURADO.
I – O magistrado é o destinatário da prova, de modo que compete a ele avaliar a necessidade de outros elementos para formar seu convencimento em cada demanda. Ao entender que a lide está em condições de ser julgada, sem necessidade de dilação probatória, a prolação da sentença constitui uma obrigação, máxime em face dos princípios da economia e celeridade processuais.
II – A infidelidade de qualquer dos companheiros não implica, por si só, em causa de indenizar. Para se conceder o dano moral, faz-se preciso mais que um simples rompimento da relação amorosa; é necessário que um dos companheiros submeta o outro a condições humilhantes, vexatórias, ofendendo a sua honra, a sua imagem, a sua integridade física ou psíquica.
III – Havendo violação ao atributo da integridade física da personalidade jurídica, impõe-se a condenação do réu a compensar a autora pelos danos sofridos.
IV – Deu-se parcial provimento ao recurso.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores da 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, JOSÉ DIVINO DE OLIVEIRA – Relator, VERA ANDRIGHI – Revisora, ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO – Vogal, sob a Presidência da Senhora Desembargadora VERA ANDRIGHI, em proferir a seguinte decisão: CONHECIDO. PROVIDO PARCIALMENTE. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas (TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DISTRITO DEFERAL, 2012).
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo exposto no presente estudo, restou comprovado após analisar os julgamentos introduzidos de forma a esclarecer o tema, que o dano moral poderá ser objeto de ação indenizatória quando ocorrer à traição por parte de um ou de ambos os cônjuges, sendo que o que vai determinar a configuração do dano são as provas juntadas nos autos, com a finalidade de estabelecer o liame entre o agente e o ato danoso.
Outrossim, a responsabilidade civil conforme se verifica, ainda é um campo sem decisões concretas, com o escopo de estabelecer uma jurisprudência sólida, valendo-se sempre das provas dos autos, ou seja, podem haver vários casos idênticos, mas sempre ficarão restritos as provas dos autos.
8. REFERÊNCIAS
BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2017.
______. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Institui o Código Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm>. Acesso em: 30 jan. 2017.
______. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2017.
_______. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2017.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2017.
______. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2017.
FERREIRA, Oswaldo Moreira. TRAIÇÃO, DIVULGAÇÃO DA IMAGEM, DANO MORAL: Uma Análise Acerca da Responsabilidade Civil no Rompimento do Relacionamento. Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2017.
RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003.
NOTAS:
[1] BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: I – fidelidade recíproca; II – vida em comum, no domicílio conjugal; III – mútua assistência; IV – sustento, guarda e educação dos filhos; V – respeito e consideração mútuos. Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2017.
[2] BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2017.
[3] BRASIL. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66, DE 13 DE JULHO DE 2010.
Dá nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos.
Disponível em: . Acesso em: 30 jan. 2017.
Autor: Oswaldo Moreira Ferreira é Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Cognição e Linguagem da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF; Especialista em Direito Civil pela Universidade Gama Filho; Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES; Servidor Público do Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo; Professor do curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos – FAMESC. oswaldomf@gmail.com