Direito de Família Monetarizado: para além do afeto, o dano moral!
Pelo presente artigo objetiva-se abordar a evolução da entidade familiar desde os tempos mais remotos, tomando como base a família conceituada pelo Direito Romano, até a Família Contemporânea Brasileira, pautada na afetividade, discorrer a cerca do Princípio da Afetividade, o qual possui valor jurídico abrangente no que diz respeito ao Direito das Famílias, como também, o Princípio da Paternidade Responsável que nos leva ao dever parental. Verificar a possibilidade da ocorrência de responsabilização civil revestida em danos morais pela ausência de afetividade nas relações familiares. O abandono moral e afetivo, analisando a possibilidade de calcular o dano, verificando ainda peculiaridades e requisitos para que este seja configurado, tudo à luz do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Por | Adriana Silva Ferreira de Rezende, Damaris Domingos Dutra e Tauã Lima Verdan Rangel
1 INTRODUÇÃO
A ressignificação da família atribuiu função social a esta, como elemento formador do ser humano em desenvolvimento, ou seja, a criança e o adolescente, para isso atribuiu-se a afetividade o status de pilar de sustentação da entidade familiar, reconhecendo como família àquela consanguínea ou de qualquer outra origem. O ramo do direito das famílias deve acompanhar a evolução da sociedade para atingir o objetivo de tutelar as relações familiares, e a cada dia surgem novas formas de família, porém, não obstante sua composição, deve-se atentar ao dever de cuidado, zelo, carinho e atenção com a prole. A paternidade responsável ora abordada neste, preconiza o dever dos pais com relação ao planejamento familiar, a responsabilidade parental como dever jurídico de cuidado e quando não exercida poderá ser passível de responsabilidade civil.
O princípio da afetividade e o da paternidade responsável surgem para tutelar a dignidade humana nas relações familiares, pois, apesar do sentimento de amor não ser passível de vinculação, o cuidado com a prole decorre do poder familiar e suas obrigações, que quando não cumpridas podem configurar abandono afetivo e sua possibilidade monetarização. Onde será tutelado pelo instituto da responsabilidade civil no qual, provando-se o liame subjetivo entre o dano psíquico, moral ou afetivo e a conduta de negligência ou omissão do genitor será passível de monetirazação, não para compensar o amor faltante, mas sim como medida punitiva a quem abandona sua prole.
Nesta esteira, o principal objetivo do presente artigo é destacar a afetividade como princípio jurídico, analisando a possibilidade do abandono afetivo constituir ilícito civil passível de reparação por danos morais.
2 FAMÍLIA EM RESSIGNIFICAÇÃO: O HABITAT PRIMÁRIO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO
Há tempos, o conceito de família vem modificando-se, evoluindo de acordo com os parâmetros da sociedade, desde os tempos remotos, entende-se a família como o pilar da construção da sociedade civil. E, para melhor compreensão torna-se necessário afixar breves comentários sobre a evolução histórica da família. No direito romano existia a figura do pater familias ou seja, o pai de família, o patriarca, aquele que exercia sobre os filhos e a esposa uma espécie de autoridade suprema, incontestável, as decisões tomadas eram suas, tudo relacionado à família passava sob o seu crivo para aprovação. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves:
O pater exercia a sua autoridade sobre todos os seus descendentes não emancipados, sobre a sua esposa e as mulheres casadas com manus com os seus descendentes. A família era, então, simultaneamente, uma unidade econômica, religiosa, política e jurisdicional. O ascendente comum vivo mais velho era, ao mesmo tempo, chefe político, sacerdote e juiz. Comandava, oficiava o culto dos deuses domésticos e distribuía justiça. (GONÇALVES, 2012, p. 34)
Verifica-se então que o homem mais velho existente na família era aquele que detinha o poder sobre todos os demais, sua prole, sua esposa, as esposas de seus eventuais filhos, seus netos, salientando-se que sempre a figura masculina detinha o poder, a mulher, figura feminina, atuava num papel de submissão, acatando as ordens do pater familias. Cabe salientar, que as relações familiares neste momento da história, não eram pautadas em afeto, muitas das vezes o mesmo não existia, o principal objetivo da constituição da família à época era a multiplicação e gerenciamento de patrimônios. Mais a frente, com a transferência dos poderes do Império de Roma para a Igreja Católica Romana surge a figura da família fundada no Direito Canônico, que perdurou até meados do século XX. Pereira dos Santos e Gomes dos Santos (s/a, p. 02) preconizam que o casamento para o Direito Canônico “…funda-se na união entre o homem e a mulher, que se comprometem a construir entre si uma comunidade para toda vida. Assim, são características essenciais do matrimônio, para a Igreja Católica, a unidade e a indissolubilidade.” Sua base era estabelecida pelo matrimônio celebrado entre duas pessoas de sexos distintos e perdurarando até o falecimento de um destes, não poderia haver, portanto, o divórcio. Muitas das regras do direito canônico serviram de base para normatização do casamento no ordenamento civil brasileiro, tendo como exemplo os impedimentos para a celebração do casamento.
O Código Civil de 1916 prezava pelo casamento de fato, aquele celebrado frente à uma autoridade competente para tanto, revestido como uma união indissolúvel, conforme preconizado pelo Direito Canônico visto acima, somente os que assim viviam teriam proteção legal, ou seja, normas para regular o funcionamento civil deste. Sendo esta, a forma admitida ao tempo, para se constituir família. Conforme preconizam Virgílio e Gonçalves (s/a, p. 06) “…as relações mantidas fora do casamento seriam consideradas como adulterinas e os filhos concebidos fora do casamento eram considerados ilegítimos… o filho adulterino somente poderia ser reconhecido se o pai assim quisesse, e fizesse isto dentro do prazo”. Até 1977, o casamento era indissolúvel, portanto, relações fora do casamento poderiam ser adulteras, também à época tipificada como crime, o adultério, ou concumbinato, pois como não se admitia o divórcio, os casados se separavam de fato – vale ressaltar que para fins legais ainda se considerava como casados – e constituíam nova família, eram denominados concumbinos, uma relação totalmente à margem pelo ordenamento jurídico brasileiro ao tempo, onde o pouco que se tratava eram através de jurisprudências firmadas pelos tribunais.
A Constituição Federal de 1988, trouxe mudanças importantes na evolução do conceito de família do ponto de vista jurídico, pois fora a partir dela que nasceu o instituto da União Estável, passando a reconhecer a união entre o homem e uma mulher fora do casamento como entidade familiar, como também a família monoparental aquela formada pelos filhos e somente o pai ou somente a mãe. Importante trazer o texto do artigo 226 da Carta Magna, em especial os parágrafos 3º e 4º, veja-se:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[omissis]
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. (BRASIL, 1988)
Delinou-se ali, os primeiros passos com fulcro a reconhecer que a entidade familiar não é necessariamente constituída pelo casamento, e que não necessariamente há a necessidade de duas pessoas de sexos distintos exercendo o poder familiar para constituir família ou até mesmo o fato de se exigir pessoas de sexos distintos, deixando para trás a figura do prátio poder sendo aquela exercida somente pelo homem, passando a vigorar o poder familiar com direito e deveres exercidos de forma igualitária tanto pela mulher quanto pelo homem. Havendo a proibição de descriminação de filhos constituídos dentro ou fora do casamento. A partir de então passou-se a reconhecer que a entidade familiar pautava-se em relações de afeto e reciprocidade, não meramente cosanguíneas. Tratando-se de tutelar a proteção familiar e o tratamento dos filhos da mesma forma, sejam eles havidos no casamento, fora dele e adotados. Importante salientar com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei número 8.069 de 1990, consagrou que o direito ao reconhecimento da paternidade é direito personalíssimo (Artigo 27), não cabendo mais ao pai a faculdade de reconhecimento da mesma. Partindo dessa base, o Código Civil de 2002, a Lei número 10.406 de 10 de Janeiro de 2002, adveio para consagrar ainda mais o descrito na Constituição Federal, para Gonçalves (2012, p. 36/37) “…as alterações pertinentes ao direito de família, advindas da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, demonstram e ressaltam a função social da família no direito brasileiro, a partir especialmente da proclamação da igualdade absoluta dos cônjuges e dos filhos…”, deixou-se ainda, de reconhecer situações que contemporaneamente são carentes de regulamentação normativa, como exemplo as uniões homoafetivas. No momento em que a entidade familiar traçou novos rumos e sua base firmou-se no afeto, fora marcado o deslocamento da função econômica-política-religiosa-procracional para essa nova função a qual valoriza o interesse da pessoa humana mais do que suas relações patrimoniais (LOBO, 2011, p. 11). Com a valorização do ser humano, a proteção constitucional da família e sua base no afeto decorrendo destes, a família em sentido amplo passou a ter proteção do Estado. Nas palavras de Farias e Rosenvald:
Induvidosamente, a família traz consigo uma dimensão biológica, espiritual e social, afigurando-se necessário, por conseguinte, sua compreensão a partir de uma feição ampla, considerando suas indiossincrasias e peculiaridades, o que exige a participação de diferentes ramos do conhecimento, tais como a sociologia, a psicologia, a antropologia, a filosofia, a teologia, a biologia (e, por igual da biotecnologia e bioética) e, ainda, da ciência do direito. (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 38)
A ressignificação do conceito de família segue em constante evolução, não há um modelo único, sendo para tanto reconhecido que a entidade familiar contemporânea é pautada nas relações afetivas sendo classificadas assim para o direito de família, reconhecidamente o primeiro elemento formador do ser humano e seu primeiro contato com a sociedade, exercendo, uma função social, a família é, portanto “…uma concepção múltipla, plural, podendo dizer respeito a um ou mais indivíduos, ligados por traços biológicos ou sócio-psico-afetivos, com intenção de estabelecer, eticamente, o desenvolvimento da personalidade de cada um.” (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 45). Oportuno salientar então que a entidade familiar encontra-se sempre se reconstruindo com o passar do tempo, se adequando as necessidades de cada espaço e lugar.
3 O RECONHECIMENTO DO PRINCÍPIO DO AFETO NO DIREITO DE FAMÍLIA
A família contemporânea, como visto acima, tem sua base no afeto, na reciprocidade e, ainda que não conste a palavra “afeto” no texto constitucional, sendo entendido como princípio implicíto, para Tartuce (2013, p. 1062) é o princípio que fundamenta as relações familiares, afirmando ainda que ele decorre da valorização da dignidade humana e da solidariedade. A entidade familiar é base de solidariedade, relações pautadas na confiança, de grande valor para o desenvolvimento da pessoa humana, um ambiente onde o ser humano ali inserido, em tese, deverá possuir carinho, amor, zelo, compaixão. Paulo Lobo preconiza que:
O princípio da afetividade especializa, no âmbito familiar, os princípios constitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da solidariedade (art. 3º, I), e entrelaça-se com os princípios da convivência familiar e da igualdade entre cônjuges, companheiros e filhos, que ressaltam a natureza cultural e não exclusivamente biológica da família. (LOBO, 2011, p. 70-71)
Este princípio surgiu com a evolução da família, precipuamente quando reconheceu-se que a entidade familiar fundamenta-se no afeto, pouco importando os laços sanguíneos, não diferenciando filhos adotivos dos biológicos. Cumpre salientar que o pioneiro no cenário brasileiro a levantar a questão da afetividade na entidade familiar foi João Baptista Villela, em 1979, tratando especificamente a questão da paternidade, porém, seus ensinamentos foram de grande valor ao caminho do reconhecimento desta. O autor defendia a adoção e tratava de diferenciar o pai do genitor, pois entendia que a questão da paternidade não estava ligada a questão biológica. “Ou seja: ser pai ou ser mãe não está tanto no fato de gerar quanto na circunstácia de amar e servir.” (VILLELA, 1979, p. 408).
O Código Civil de 2002, em seu artigo 1.593, reconheceu o princípio da afetividade “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem.” (BRASIL, 2002), garantindo que ao analisar questões familiares será levado em conta não somente os aspectos biológicos como também laços familiares de qualquer outra origem. Outro marco importante na legislação para o direito de família em termos de reconhecimento do princípio da afetividade, ocorreu no Estatuto da Criança e do Adolescente, a partir da criação da Lei nº 12.010 de 2009, a qual alterou artigos do Estatuto supramencionado, com fulcro em limitar que quando das decisões sobre questões da criança ou adolescente, o julgador, deverá observar a afetividade para emitir seu julgamento. Com essa nova função da família, fora necessário delimitar a atuação deste princípio nos ramos do direito de família. De acordo com os ensinamentos de Paulo Lobo ele se aplicará nas seguinte situações:
A doutrina jurídica brasileira tem vislumbrado aplicação do princípio da afetividade em variadas situações do direito de família, nas dimensões: a) da solidariedade e da cooperação; b) da concepção eudemonista; c) da funcionalização da família para o desenvolvimento da personalidade de seus membros; d) do redirecionamento dos papéis masculino e feminino e da relação entre legalidade e subjetividade; e) dos efeitos jurídicos da reprodução humana medicamente assistida; f) da colisão de direitos fundamentais; g) da primazia do estado de filiação, independentemente da origem biológica ou não biológica. (LOBO, 2011, p. 74)
É notório o reconhecimento do autor acima da afetividade como princípio do direito de família, contudo, há autores que não o reconhecem como princípio jurídico, nesta corrente encontram-se os autores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2012, p. 74) “o afeto é relevante para as relações de família, mas não é vinculante e obrigatório. Cuida-se, portanto, de um postulado- e não de um princípio fundamental”, reconhecendo o afeto como fato significativo para as relações de família, porém sem obrigatoriedade. A justificativa utilizada para defender tal alegação é que a afetividade é um sentimento com isso não tem força vincunlante. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça em jurisprudência firmada, já reconheceu a afetividade como princípio, a exemplo nas palavras do Ministro Luis Felipe Salomão relator do Recurso Especial nº 945.283 – RN, julgado em 28 de setembro de 2009:
O que deve balizar o conceito de “família” é, sobretudo, o princípio da afetividade, que “fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia sobre as considerações de caráter patrimonial ou biológico”. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Recurso Especial nº 945.283 – RN, julgado em 28 de setembro de 2009)
Corroborando com o julgado acima, a autora Maria Berenice Dias (2015, p. 53/54) “o direito das famílias instalou uma nova ordem jurídica para a família, atribuindo valor jurídico ao afeto” e que “o princípio norteador do direito das famílias é o princípio da afetividade”. Nota-se, portanto, que o reconhecimento do princípio da afetividade fora imprescindível para tutelar proteção aos novos contextos de família, onde muitas delas são pautadas em relações não biológicas, mas sim, afetivas, solidárias, onde o maior objetivo é a preservação da dignidade da pessoa humana.
4 A OBRIGAÇÃO DE ZELO E CUIDADO COM A PROLE: PRINCÍPIO DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL
A Constituição Federal ao conferir proteção à família estabeleceu uma série de princípios para regular esta proteção, e, um destes é o Princípio da Paternidade Responsável descrito no artigo 226, §7º onde preconiza que o planejamento familiar é fundando nos princípios da pessoa humana e da paternidade responsável (BRASIL, 1988), quando da elobaração do artigo supramencionado, o legislador atribuiu a família, ao Estado e a sociedade o múnus de fornecer recursos tanto quanto bastem para o processo de formação do infante até sua vida adulta. A paternidade responsável pode ser compreendida como sendo “a obrigação que os pais têm de prover a assistência moral, afetiva, intelectual e material aos filhos” (CARDIN, s/a, p.06), visto que a finalidade da paternidade exercida de forma responsável garantirá a criança e ao adolescente sua dignidade e seu desenvolvimento humano da melhor maneira. Para SANGRI (s/a, p. 07) a paternidade responsável possui dois sentidos, o primeiro relaciona-se ao arbítrio para decidir sobre ter filhos ou não e quantos filhos deseja-se ter – tratando-se neste caso do planejamento familar, já o segundo diz respeito ao dever paternal, dever de cuidado.
Nesta dispasão, os maiores colaboradores do processo formação da criança são os pais, pois é no lar que a prole deverá encontrar um abrigo de afeto, carinho, amor, zelo e ensinamentos que irá leva-lo a traçar seus caminhos na vida. LOBO (2011, p. 311-312) a cerca do princípio da paternidade responsável “não se resume ao cumprimento do dever de assistência material. Abrange também a assistência moral, cujo descumprimento pode levar à pretensão indenizatória”, o dever dos pais não limita-se ao que é relativo a valores pecuniários, além disso, os valores sociais, afetivos são levados em conta na criação para desenvolvimento da pessoa humana, e, os genitores não podem simplesmente deixar de cumprir as obrigações derivadas da paternidade responsável, não é justificável a desídia das obrigações por qualquer das partes. A coabitação dos genitores não é premissa necessária para a efetivação da paternidade responsável. Quanto ao tema Maria Berenice Dias leciona que:
O filho tem direito à identidade, à proteção integral, merece viver com dignidade, precisa de alimentos mesmo antes de nascer. Pai é pai desde a concepção do filho. A partir daí, nascem todos os ônus, encargos e deveres decorrentes do poder familiar. O simples fato de o genitor não assumir a responsabilidade parental não pode desonerá-lo. O filho necessita de cuidados ainda durante a vida intra-uterina. (DIAS, s.d., p. 01)
Seja a paternidade biológica ou de qualquer outra origem deve ser pautada no afeto, amor, o pai responsável fornece a sua prole assistência material e intelectual, cumprindo assim as obrigações do poder familiar. Oportuno salientar a denominada responsabilidade parental que muito se assemelha com este princípio pois estão ligados intrínsecamente, O Artigo 1634 do Código Civil trás em seus incisos as obrigações dos pais no tocante a sua prole, de acordo com Vesentini (2014, p. 01) responsabilidade parental “é o conjunto de poderes e deveres destinados a assegurar o bem-estar material e moral dos filhos…assegurando a sua educação, o seu sustento, a sua representação legal e a administração dos seus bens”. Portanto, o responsabilidade parental é irrenunciável e não há a possibilidade de tranferi-la a outrem, a temática abordada visa alcançar sempre o melhor interesse da criança, cum fulcro em uma infância sadia para que assim a dignidade humana se cumpra.
5 O DANO MORAL COMO MEDIDA PUNITIVA PARA AUSÊNCIA DE CUIDADO E ZELO COM A PROLE
Apesar da entidade familiar atual possuir base no afeto, cotidianamente ocorrem abusos ou omissões acerca do dever parental, contudo, os direitos e deveres inerentes ao poder familiar são irrenunciáveis, considera-se para tanto o fato da criança ou adolescente estarem em fase de desenvolvimento. Ademais, o Artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente preconiza que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais advindos da pessoa humana, com fulcro em atender o seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social (BRASIL, 1990). Essenciais deveres dos genitores são o dever da convivência, como também o da companhia, e, quando da omissão ou negligência no dever parental, precipuamente no que se tange ao afeto, poderá ocasionar mágoas, tristezas, aflições e com isso surge o denominado abandono afetivo, passível de responsabilidade civil, para Dias (2015, p. 97) “o distanciamento entre pais e filhos produz sequelas de ordem emocional e pode comprometer o seu sadio desenvolvimento”, as sequelas geradas pelo abandono de um dos pais para com seus filhos podem perdurar toda a sua vida, causando reflexos nesta. Paulo Lobo, conceitua o abandono afetivo da seguinte forma:
Portanto, o “abandono afetivo” nada mais é que inadimplemento dos deveres jurídicos de paternidade. Seu campo não é exclusivamente o da moral, pois o direito o atraiu para si, conferindo-lhe consequências jurídicas que não podem ser desconsideradas. (LOBO, 2011, p. 312)
O poder familiar e as obrigações decorrentes deste não se esgotam com o divórcio dos genitores, os filhos não se separam de seus pais. Vesentini (2014, p. 02) discorre acerca da ausência de superação do dano causado pelo abandono afetivo “a criança ou adolescente vítima do abandono afetivo não tem o necessário discernimento para superar; pois estão no auge da sua formação psicológica, principalmente as crianças”, daí, surge a possibilidade de responsabilidade civil a quem abandona moral e afetivamente o filho. Para Dil e Calderan (s/a, s/p) a razão do instituto da responsabilidade civil estar ocorrendo nas diligências de família “dá-se ao fato de que o dever de assistência e convivência familiar passaram a ser encarados como um direito dos filhos, no sentido de oportunizar o seu desenvolvimento sadio”. A falta de afetividade dos pais com os filhos poderá comprometer o desenvolvimento saudável e trazer prejuízos irreparáveis.
Conforme artigo 927 do Código Civil quem por ato ilícito cause dano a outrem, condiciona-se a repará-lo, a responsabilidade civil está configurada nos termos do artigo 186 e 187 do Código Civil. No que tange as questões de abandono afetivo o dano causado é psíquico, moral, que ofende a dignidade humana, para Sousa (s/a, s/p) dano moral “é, portanto, uma perturbação da tranquilidade psíquica da pessoa, um evento que aflige sua paz emocional, afetiva, sua dignidade, imagem ou honra”, um evento que fere o íntimo de quem o vivencia, não podendo calculá-lo em valores pecuniários, o desprezo de seu(a) genitor(a), a falta de cuidado na fase de desenvolvimento mais imprescindível para a formação de sua personalidade.
O Superior Tribunal de Justiça atribui ao cuidado valor jurídico, “o cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências” (REsp número 1.159.242/SP, 3ª Turma, Relatora Ministra Nancy Andrigh, jugado em 24 de abril de 2012), a decisão supramencionada reconheceu ainda o abandono afetivo como ato ilícito “comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão”. A presente decisão delineou passos importantíssimos a cerca do instituto abordado, a Ministra Relatora Nancy Andrigh discorreu sobre a possibilidade da existência de dano moral nas relações familiares onde a mesma conclui que não versam impecilhos legais a aplicação da responsabilidade civil e o dever de indenizar/compensar no ramo do direito de família, passando a análise dos elementos necessários para a configuração do dano moral estabelecendo que quando da negligência ao dever de cuidar ocasiona-se ilícito civil na forma de omissão, ressalta ainda, que não se impõe o sentimento de amor a ninguém, este é facultativo, porém, o cuidado é imposição legal, biológica, um dever jurídico, essencialmente ligado a liberdade do planejamento familiar no tange a opção de gerar e/ou adotar filhos.
Preconiza ainda a Relatora que para compravação do dano deve haver “laudo formulado por especialista, que aponte a existência de uma determinada patologia psicológica e a vincule, no todo ou em parte, ao descuidado por parte de um dos pais”, porém, o julgador não deverá limitar-se somente a essa via probatória, enfatizando ainda, que o sentimento que a recorrida carregará perpetuamente deriva das omissões do dever de cuidado do recorrente em relação a esta, o que acabou por caracterizar dano moral in re ipsa, estando configurada a negligência, o dano e nexo causal. Quanto ao valor inicialmente arbitrado pelo Tribunal de origem em R$ 415.000,00 (quatrocentos e quinze mil reais), decidirá por reduzi-lo para R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), pois entendeu-se que o mesmo era excessivamente elevado. O Superior Tribunal de Justiça proveu parcialmente o Recurso Especial do genitor, diminuindo o valor da condenação, entendendo que o abandono afetivo restou-se configurado como também os requisitos para este, ou seja o dano sofrido, o nexo causal e o ato ilícito.
Através da decisão supramencionada, verifica-se que, quando da análise no caso concreto, da responsabilidade civil e seus requisitos para configuração, poderá sim haver a compensação pecuniária pautada no abandono afetivo e suas diversas sequelas, devidamente comprovadas, apesar de a jurisprudência brasileira não ser unânime em relação ao tema, já existem decisões favoráveis quanto ao instituto. Rolf Madaleno (s.d., s.p.) discorre a cerca do assunto:
Decisões judiciais buscando reparar com indenizações pecuniárias a dilaceração da alma de um filho em fase de formação de sua personalidade, cujos pais se abstêm de todo e qualquer contato e deixam os seus filhos em total abandono emocional, não condenam a reparar a falta de amor, ou o desamor, nem tampouco a preferência de um pai sobre um filho e seu descaso sobre o outro, mas penalizam a violação dos deveres morais contidos nos direitos fundados na formação da personalidade do filho rejeitado. (MADALENO, s.d., s.p.)
Assentua ainda o autor acima mencionado, que penalizam ainda a dignidade humana do filho em desenvolvimento, importantes passos para coibir a impunidade de genitores que abandonam seus filhos a mercê do que melhor lhe aprouver, causando sérias conseqüências de ordem psíquicas e emocionais. Importante salientar, o projeto de Lei número 700 de 2007 de autoria do Senador Marcelo Crivella, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, onde visa a alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente “para caracterizar o abandono moral como ilícito civil e penal, e dá outras providências” (BRASIL, Senado Federal), o texto final revisado no Senado em 01 de outubro de 2015, possui como uma de suas alterações, a inclusão de parágrafo único no artigo 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Considera-se conduta ilícita, sujeita a reparação de danos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, a ação ou a omissão que ofenda direito fundamental de criança ou adolescente previsto nesta Lei, incluindo os casos de abandono afetivo”. Se aprovado o presente projeto de lei, as modificações na legislação advindas deste serão um passo a frente ao reconhecimento da ilicitude de abandono moral, intelectual, e principalmente, afetivo, de um pai com sua prole.
CONCLUSÃO
A entidade famíliar evoluiu de uma unidade econômica, religiosa, política, jurisdicional e indissolúvel – tratando de casamento – para uma unidade pautada na afetividade, solidariedade, compaixão, onde os que ali coabitam exercitam o melhor do seu ser, com fulcro na dignidade humana e maior valorização do ser humano. A Constituição Federal de 1988, ao reconhecer a afetividade como pilar da família contemporânea atribuiu maior proteção as diversas formas de família existente, pois a partir desta, reconheceu-se a união estável como entidade familiar, o que antes considerava-se uma relação espúria, denominada concubinato. Juntamente com o Código Civil de 2002, atribuiram função social a família.
Da Carta Magna de 1988 surgiram princípios que tutelam a proteção familiar, tudo com fulcro em garantir o melhor interesse da criança. Reconhecidamente pelo Superior Tribunal de Justiça como princípio jurídico, o princípio da afetividade é o fundamentador das relações familiares decorrente da valorização da pessoa humana e da solidariedade, ele não garante o amor de seus pais para com sua prole, pois sendo o amor um sentimento, não é passível de obrigações, porém, garante o dever de cuidado que decorre da responsabilidade parental. Afirmando ainda, que os laços afetivos não necessariamente decorrem de laços cosanguíneos e que a família pautada no afeto não necessita de aspectos biológicos em comum para existir.
O Princípio Constitucional da Paternidade Responsável está inserido no texto maior em seu artigo 226, §7º, ele parte de duas premissas, o planejamento familiar, onde se pode decidir se quer ter filhos ou quantos terá e a que diz respeito ao dever paternal, o dever de cuidar, prestar assistência moral, social, intelectual, espiritual, garantindo a criança e ao adolescente o direito ao cuidado e zelo de seus pais para com eles. Contudo, ocorrem situações onde configuram-se omissões e negligências acerca do poder familiar, muitas das vezes pelo fato da separação dos pais, onde quem não exerce o dever de guarda abandona afetivamente o filho.
O abandono afetivo é a falta do exercício do pátrio poder dos pais para com seus filhos, o que pode vir a ocasionar danos irreversíveis com reflexos na vida adulta, traumas psíquicos, receio de constituir família. O tema ainda não é pacífico na jurisprudência atual, contudo, o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu que o abandono afetivo é ilícito civil e constitui prova deste laudo por profissional informando a patologia existente como ainda vinculando esta ao abandono sofrido por quem o requerer, afixando que o nexo causal não se baseará somente na prova pericial produzida.
O instituto da responsabilidade civil aplica-se as demandas familiares, e com a análise de cada caso concreto verificando o dano, o nexo causal juntamente com ato ilícito o julgador poderá reconhecer o abandono afetivo e condenar o abandonante a ressarcir pecuniariamente o abandonado. As decisões judiciais acerca do assunto não visam devolver o amor que faltará, mas de alguma forma penalizam aquele a prática do abandono. Importante salientar o projeto de lei número 700 de 2007 que visa alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente para configurar o abandono afetivo como ilícito penal e civil, sujeito a reparação de danos. Se aprovado o projeto supramencionado trará ao ordenamento jurídico brasileiro e ao ramo do direito de família maior proteção a criança e ao adolescente.
Os assuntos do ramo do direito das famílias abordados no presente artigo vigoram para tutelar a máxima da dignidade da pessoa humana, todos, possuindo intrínseca ligação com este, a valorização do ser humano neste instituto vem ganhando cada vez mais destaque, prova disso é o reconhecimento da responsabilidade civil por abandono afetivo.
REFERÊNCIAS
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Autores:
Adriana Silva Ferreira de Rezende é Graduanda do curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana – RJ, 8º período. E-mail: adriana.rezendef@hotmail.com
Damaris Domingos Dutra é Graduanda do curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana – RJ, 8º período. E-mail: damaris-sempre@hotmail.com
Tauã Lima Verdan Rangel é Professor Orientador. Bolsista CAPES. Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pelo PPGSD-UFF (2013-2015). Especialista em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES (2014-2015). E-mail: taua_verdan2@hotmail.com