Alienação Parental
Este trabalho tem por finalidade abordar aspectos de um assunto muito debatido no universo jurídico. Trata-se da Alienação Parental. É objeto do trabalho abordar seus meios de obtenção e elementos de identificação, bem como as consequências quando a alienação está instalada. Falaremos também da diferença da alienação parental em relação à síndrome de alienação parental.
Por | Larissa de Melo e Lucas
Alienação Parental é um fenômeno que ocorre geralmente em meio a um divórcio conflituoso e que consiste no afastamento afetivo dos filhos relativamente ao genitor não guardião, geralmente o pai, mediante a manipulação mental da criança, que acaba por rejeitar o genitor com o qual não convive. Ainda hoje, em toda parte do mundo, se verifica uma forte tendência a se conferir a guarda dos filhos à mãe, quando do divórcio. Entretanto, as pesquisas mostram que quaisquer dos genitores, mãe ou pai, são capazes de alienar.
Quem causa o problema normalmente é o genitor inconformado com o rompimento. O rancor, a mágoa, o inconformismo, o sofrimento, enfim, toda uma gama de sentimentos que inundam um divórcio indesejado. Essa dor é o estopim, e sendo assim o alienador começa o processo de alienação. Mas, junto com essa dor, agem outros fatores ligados à personalidade do alienador, que normalmente é uma pessoa possessiva, que pode, ou não, ser portadora de algum transtorno mental.
A forma mais eficiente de lidar com a alienação parental é trabalhar com o fenômeno preventivamente ou ao menos na fase inicial de sua implantação. Normalmente, quando esse estado de coisas é denunciado em um processo judicial, os níveis do conflito estão tão elevados que qualquer interferência externa é dificultada pela sedimentação das situações de fato.
O afastamento do filho relativamente ao seu genitor não guardião ocorre através da manipulação mental, psicológica, emocional, exercida pelo guardião sobre o filho de que tem a guarda. O guardião age, na maioria das vezes, de forma sutil, instiladora de maus sentimentos no psiquismo do filho até que, em determinado momento, o filho cria ou altera a percepção que tinha de seu genitor não convivente, passando a enxergá-lo como uma ameaça. Ante esse conceito negativo que o filho passa a ter a respeito do não guardião, a criança acaba promovendo, ela mesma, o distanciamento do genitor “mau”.
O direito de visitas se dá assim que a separação for consumada, consequentemente, determinados os parâmetros da guarda dos filhos, surge para o ex não guardião o sagrado direito de visitas. Importante salientar que esse direito não abarca tão só o contato físico e direto sobre os filhos, mas garante participação no crescimento e no desenvolvimento no sentido lato destes. É o pleno exercício deste direito que possibilita a continuidade dos laços de convivência entre pais e filhos. Por esta razão, salvo casos extremados, tal direito não pode ser embaraçado, tampouco suprimido. Infelizmente, contrariando o objetivo maior da concessão do direito de visitas, em não raros casos, observa-se que o guardião oferece resistência à realização dessas visitas, frustrando-as através dos mais esvaziados álibis. Pior ainda é constatar que esses óbices são frutos de atos egoístas que denunciam resquícios e ressentimentos oriundos da ruptura da relação conjugal. O que mostra, é que em todo litígio, cujo cenário é a família, não se discute razão, mas emoções contidas em relacionamento mal sucedido, e os genitores acabam usando os filhos como instrumentos de vingança.
A lei brasileira exemplifica os considerados atos de alienação parental, mas definitivamente, o rol não é taxativo, porque a criatividade dos alienadores desafia até mesmo os mais experientes profissionais que lidam com o assunto. No parágrafo único do art. 2° da Lei nº 12318/10, constam os seguintes atos alienadores:
a) realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
b) dificultar o exercício da autoridade parental;
c) dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
d) dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
e) omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
f) apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
g) mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.
Na literatura ainda podemos encontrar outros exemplos mais específicos: recusa em repassar ligações telefônicas aos filhos; em fornecer informações escolares e médicas ao pai; em deixar a criança manter objetos presenteados pelo pai, como roupas e brinquedos; por meio da desqualificação e desautorização do pai na presença dos filhos; da proibição da visita do pai; da ameaça aos filhos; do oferecimento de presentes e passeios em troca da visita do pai; apresentar o novo companheiro à criança como sendo seu novo pai; transmitir desagrado diante da manifestação da criança de alegria ao falar do pai ou querer sair a passeio com ele; controle excessivo dos horários de visita; transformar o filho em espião do não guardião. Enfim, quaisquer atos praticados pelo adulto que tem a guarda da criança e que possam ser interpretados como a prática de monopólio sobre a vida do filho, pode configurar alienação parental. Também assim são considerados os atos de desqualificação do genitor não guardião, em todas as formas de manifestação, desde uma simples crítica sutil, como as citadas acima, passando pelas ofensas morais, que denigrem a imagem do pai, até as acusações mais graves.
Ressalte-se o fato de que, embora não seja a regra, o genitor não guardião, diante dos obstáculos oferecidos pelo titular da guarda, acaba por se desvincular de sua função paterna, aceitando ser verdade a ideia de que as mulheres são privilegiadas quando o assunto é a custódia dos filhos. Importante salientar que inexiste dispositivo legal que legitime um atributo exclusivo da mulher a titularidade da guarda. Antes, compete aos pais a criação, em sentido largo, dos filhos. Tal fato não se modifica com a separação dos cônjuges.
Identificado o processo de Alienação Parental, cabe ao Judiciário impedir que essa síndrome se instale. Sabe-se que talvez por falta de preparo mais adequado, os magistrados das Varas de Família ignoram situações que, se melhor analisadas, não se converteriam em patologias deste quilate. Lado outro há de se considerar que o magistrado se depara com uma situação delicada. Há o dever de tomar uma atitude, entretanto, surge a dúvida quanto a veracidade do que se suspeita. Surge o dilema: E se a suspeita for vazia, inócua? Como conjugar a urgência de medidas necessárias sem comprometer a ordem natural de apuração dos fatos? Ora, se não restarem verdadeiras as denúncias apresentadas em face do não guardião, será traumática a situação em que a criança, forçosamente, se submeterá, pois ficará privada do convívio com o genitor que não lhe causou mal algum. Mais uma vez o infante é duramente penalizado nesse campo hostil. É ele esquecido como ser humano e reduzido a objeto. Todavia, uma vez reconhecida e comprovada a ocorrência da síndrome e, contando subsidiariamente com o pálio das ciências afins, deverá o julgador adotar medidas enérgicas, estando elas condicionadas ao grau e estágio em que se encontra o processo de alienação.
Conforme aduz em seu artigo científico Síndrome da Alienação Parental, a Professora Priscila Maria Pereira Corrêa da Fonseca, dentre elas, destaca:
a) ordenar a realização de terapia familiar, nos casos em que o menor já apresente sinais de repulsa ao genitor alienado; b) determinar o cumprimento do regime de visitas estabelecido em favor do genitor alienado, valendo-se, se necessário, da medida de busca e apreensão; c) condenar o genitor alienante ao pagamento de multa diária, enquanto perdurar a resistência às visitas ou à prática que enseja a alienação; d) alterar a guarda do menor, principalmente quando o genitor alienante apresentar conduta que se possa reputar como patológica, determinando, ainda, a suspensão das visitas em favor do genitor alienante, ou que elas sejam realizadas de forma supervisionada; e) dependendo da gravidade do padrão de comportamento do genitor alienante ou diante da resistência dele perante o cumprimento das visitas, ordenar sua respectiva prisão.
É sabido que, aqui entre nós, a objeção ao direito de visitas não configura crime, conforme o que ocorre no direito alienígena, todavia, aquele genitor que obstaculiza a realização desse direito sofrerá sanções típicas, sem prejuízo, portanto, de responsabilizar-se pelo descumprimento de ordem judicial, qual seja crime de desobediência, contemplado no art. 330 do diploma penal pátrio. No que toca à questão do advogado que milita na área de direito de família, se convidado a sustentar uma causa cujo cliente seja o genitor alienante, não lhe empresta tarefa menos árdua, visto que não pode se valer da alegação que tudo fará para que logre êxito no intento, pois prepondera em todos os litígios que envolvam menores, o ditame constitucional do melhor interesse da criança. Sacrificada está a máxima de que o mandado do advogado contempla a conjugação de todos os esforços para a satisfação de interesses daquele que lhe outorga. In casu, impera o dever da sociedade e por consequência de todo e qualquer cidadão, assegurar à criança e ao adolescente, o direito à convivência familiar.
A Síndrome de Alienação Parental é um tipo cruel de abuso emocional contra os filhos, com consequências nefastas à saúde psicológica deles, sendo dever dos adultos que, de uma forma ou outra, se aproximem profissionalmente da realidade das crianças potencialmente vítimas da síndrome, interferir no sentido de estancar a sangria de ódio deflagrada no processo de alienação, reatando os laços de afetividade havidos entre o filho e o genitor alienado. Tal desiderato será atingido na mesma proporção em que a síndrome de alienação parental for conhecida, com todas suas particularidades.
A SAP é um distúrbio de ordem psiquiátrica e, logo, descritível através de sintomas, diagnóstico e tratamento. A SAP é identificada a partir da análise de sintomas verificados na criança, levando-se em conta inclusive, o grau de desenvolvimento da alienação, que pode ser leve, moderado ou grave. Já a alienação parental, seria sim uma animosidade do filho relativamente ao pai, mas justificada, ou seja, nesse caso estaria ausente o processo manipulatório.
Nossa lei não considera a síndrome de alienação parental, mas, sim, a alienação parental. Isso quer dizer que, para a lei brasileira, a alienação parental é um estado de fato com repercussão psicossocial e jurídica, não um transtorno mental. Por consequência nossa lei não faz alusão a avaliação de nenhum sintoma para a caracterização da alienação parental, mas, sim, de sinais exteriores, os quais a norma tentou descrever de forma objetiva. O que é preciso ficar claro é que, embora existam divergências na literatura quanto aos conceitos de SAP e de AP, é incontroverso que são manifestações diferentes.
Autora: Larissa de Melo e Lucas é Servidora Pública e Oficial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. E-mail: larissalucas@gmail.com