maio 15, 2024

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Inconstitucionalidade do § único do art. 137 do estatuto dos servidores públicos civis federais

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A Lei 8.112/90, ao dispor no parágrafo único do seu artigo 137 sobre a impossibilidade permanente do retorno do ex-servidor civil federal demitido dos quadros da Administração Federal, acaba por colidir-se com a vedação constitucional às penas de “caráter perpétuo”

Por | Roberto Flávio Cavalcanti

A Constituição Federal trouxe consigo a vedação a penas de “caráter perpétuo” em seu artigo 5º, inciso XLVII, alínea “b”.
Todavia, o parágrafo único do art. 137 do Estatuto dos Servidores Públicos Civis Federais (Lei nº 8.122/90) destoa do texto constitucional, ao sancionar uma pena de “caráter perpétuo” ao servidor demitido ou destituído do cargo em comissão por crime contra a administração pública, improbidade administrativa, aplicação irregular de dinheiros públicos, lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional e corrupção (incisos I, IV, VIII, X e XI do art. 132), vedando seu retorno ao serviço público federal pelo resto da vida:
Art. 137. [omissis]

Parágrafo único.  Não poderá retornar ao serviço público federal o servidor que for demitido ou destituído do cargo em comissão por infringência do art. 132, incisos I, IV, VIII, X e XI.
Não interessa aqui ponderar a justeza ou não da norma, pois nem tudo que é justo ou ético é legal.
Não se está aqui a advogar o que “deve ser”, mas tão somente o que “é”, sob pena de se afrontar o Princípio da Separação dos Poderes, oferecendo interpretação desonesta que acabe por usurpar de prerrogativas do legislador.
Por mais que as condutas supracitadas sejam graves e guardem correlação lógica com a exigência de decoro e boa fé no exercício da função pública, as garantias fundamentais do cidadão são inalienáveis, não podendo ser esvaziadas em razão dos interesses do Estado-Administração, cujo agir só se legítima estando de acordo com tais garantias.
A garantia contra as penas de “caráter perpétuo” é cláusula pétrea, insuscetível de supressão por Emenda Constitucional.  Ela encontra-se arrolada entre garantias fundamentais que vão além do cidadão brasileiro, mas que favorecem qualquer pessoa em trânsito no país.
Há um engano em pensar que as penas de “caráter perpétuo” limitam-se ao Processo Penal.  Celso Bandeira de Mello ensina não haver distinção substancial entre infrações e sanções administrativas e infrações e sanções penais:
“Reconhece-se a natureza administrativa de uma infração pela natureza da sanção que lhe corresponde, e se reconhece a natureza da sanção pela autoridade competente para impô-la.  Não há, pois, cogitar de qualquer distinção substancial entre infrações e sanções administrativas e infrações e sanções penais.  O que as aparta é única e exclusivamente a autoridade competente para impor a sanção, conforme correto e claríssimo ensinamento, que boamente sufragamos, de Heraldo Garcia Vitta.” [1] [GRIFAMOS]
José dos Santos Carvalho Filho também enfatiza a aplicação de institutos do Direito Penal e do Direito Processual Penal ao Direito Administrativo Sancionador: “como se trata de processo acusatório, deve reconhecer-se a incidência, por analogia, de alguns axiomas consagrados no âmbito do Direito Penal e Processual Penal”? [2]
Ora, ainda que o Processo Penal seja em tese mais gravoso ao acusado, isso dependerá do caso concreto.
Tramita desde 2003 no STF a ADI nº 2975, formulada pelo Procurador Geral da República, defendendo a mesma tese de inconstitucionalidade da malsinada norma.
No RE nº 154134/SP, o STF afastou a incidência de norma semelhante, quanto à pena de inabilitação permanente para os cargos de administração ou gerência de instituições financeiras impostas dos então recorridos:
“DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. PENA DE INABILITAÇÃO PERMANENTE PARA O EXERCÍCIO DE CARGOS DE ADMINISTRAÇÃO OU GERÊNCIA DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. INADMISSIBILIDADE: ART. 5 , XLVI, e, XLVII, b, E § 2 , DA C.F. REPRESENTAÇÃO DA UNIÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO: LEGITIMIDADE PARA INTERPOSIÇÃO DO R.E. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. À época da interposição do R.E., o Ministério Público federal ainda representava a União em Juízo e nos Tribunais. Ademais, em se tratando de Mandado de Segurança, o Ministério Público oficia no processo (art. 10 da Lei nº 1.533, de 31.12.51), e poderia recorrer, até, como “custos legis”. Rejeita-se, pois, a preliminar suscitada nas contra-razões, no sentido de que lhe faltaria legitimidade para a interposição. 2. No mérito, é de se manter o aresto, no ponto em que afastou o caráter permanente da pena de inabilitação imposta aos impetrantes, ora recorridos, em face do que dispõem o art. 5 , XLVI, e, XLVII, b, e § 2 da C.F. 3. Não é caso, porém, de se anular a imposição de qualquer sanção, como resulta dos termos do pedido inicial e do próprio julgado que assim o deferiu. 4. Na verdade, o Mandado de Segurança é de ser deferido, apenas para se afastar o caráter permanente da pena de inabilitação, devendo, então, o Conselho Monetário Nacional prosseguir no julgamento do pedido de revisão, convertendo-a em inabilitação temporária ou noutra, menos grave, que lhe parecer adequada. 5. Nesses termos, o R.E. é conhecido, em parte, e, nessa parte, provido.”
(STF – RE: 154134 SP , Relator: SYDNEY SANCHES, Data de Julgamento: 14/12/1998, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 29-10-1999 PP-00017 EMENT VOL-01969-01 PP-00191) [GRIFAMOS]
Assim, vê-se que a norma em comento, ao estabelecer penas de “caráter perpétuo” ao ex-servidor nas taxativas hipóteses dos incisos I, IV, VIII, X e XI do art. 132, embora possa espelhar uma proposição racional do Estado-Administração, é materialmente inconstitucional, por não se adequar à exigência da Constituição de fixação de penas exclusivamente temporárias.
Notas:
[1] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio.  Curso de Direito Administrativo, 28ª Ed., Malheiros Editores. 2011, p. 854
[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos.  Manual de Direito Administrativo.  Rio de Janeiro, 22ª Ed. Lumen Juris Editora, 2009, p. 89
Autor
Roberto Flávio Cavalcanti é Advogado e Jornalista

 

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