maio 19, 2024

Raul Gerolimich Consultoria Jurídica e Imobiliária

Os mais atuais Artigos, Jurisprudências e Noticias Jurídicas você encontra aqui

Habitação popular no Brasil e as políticas públicas a partir da Constituição de 1988.

13 min read

O presente artigo aborda sobre a questão da habitação popular no Brasil sob o ponto de vista socioeconômico e traz uma reflexão sobre os desafios e possibilidades para elaboração de um planejamento eficiente para as classes populares a fim de garantir o direito à moradia digna e reduzir as desigualdades sociais, além de contribuir para o desenvolvimento econômico. A partir de uma análise breve da história, busca compreender como ocorreu a distribuição de renda no Brasil, as consequências da exploração da moradia somente para fins econômicos e as ocupações desordenadas fruto da rápida urbanização e ausência do Poder Público. Nesse sentido, verifica-se a importância da elaboração de políticas públicas habitacionais eficientes, que garantam à população de baixa renda infra-estrutura em locais já habitados e possibilidade de oferta de crédito compatível com a renda da família para aquisição da casa própria. Isto porque o baixo poder aquisitivo em contraposição ao custo elevado dos imóveis têm resultado na segregação urbana e social. À vista disso, esta pesquisa tem como objetivo principal fazer uma análise bibliográfica sobre as políticas habitacionais a partir da Constituição Federal de 1988, por ser o marco normativo do reconhecimento da moradia como direito social, apontando como exemplo o programa Minha casa Minha Vida.

Por | Paula da Silva Martins

Introdução

O propósito deste artigo é apresentar e discutir a evolução das políticas públicas habitacionais após a Constituição Federal de 1988. A escolha do período se deu pelo fato de que foi a partir da Constituição democrática que alguns direitos sociais foram reconhecidos, entre eles o direito à moradia digna, inserido no texto através da Emenda Constitucional 26/2000.

Sabe-se que a habitação é um bem de valor vultuoso, no entanto, além da visão econômica, existe outra sobre o mesmo tema, qual seja: o lado social. No entanto, ao longo dos anos algumas intervenções governamentais foram feitas, ocasionando graves problemas sociais que repercutem até os dias atuais.

Ao fazer uma retrospectiva, percebe-se que o Brasil é um país com uma das piores distribuições de renda. O problema da má divisão dos territórios persiste desde o tempo do descobrimento do Brasil. Isto porque o regime de distribuição de terras sempre atendeu a interesses políticos e econômicos.

A análise dos fatos históricos serve como compreensão do momento atual, desejando que sejam levadas em conta as experiências do passado nas decisões a serem tomadas pelo Poder Público. A história não se repete, mas contribui para nos situarmos com racionalidade no presente, pois o futuro depende dos erros e acertos vividos.

Na realidade, a ocupação do solo acompanhou os ciclos econômicos sem qualquer preocupação com planejamento urbano, degradação ambiental e moradia de qualidade que atendesse o crescimento das cidades. Neste sentido, a habitação surgiu como ideia de mercadoria, destinada apenas à ocupação e plantio.

A falta de legislação para regulamentar a posse ou aquisição das terras, acarretou no surgimento de propriedades ilegais, ocupação dos espaços habitáveis de forma desordenada, tudo sempre feito de forma irracional.

Conforme Silva (2008, p. 381):

“O problema habitacional tornou-se agudo com a urbanização da Humanidade. Enquanto predominava a vida rural o problema não se punha, porque cada qual cuidava de organizar sua própria moradia segundo suas condições econômicas, utilizando para isso terrenos públicos e particulares, ainda que a população pobre morasse sempre em condições precárias. Não se tinha consciência de um direito especial, inerente à pessoa humana, que é o direito à moradia.”

Pode-se dizer que as medidas normativas implantadas foram ineficientes, pois a massa trabalhadora não possuía poder de compra, muitos estavam inseridos em trabalhos informais. Além disso, quando ocorreu a abolição da escravatura em 1888, concedendo liberdade aos homens escravizados, sequer foi ofertada melhores condições de vida. Em suma, não foi feito um planejamento que os acolhesse, trazendo como consequência a marginalização social.

Via-se, portanto, um país em crescimento com significativas mudanças, mais evidente ainda após a industrialização, porém, fazendo uso do solo sem racionalização, acarretando numa urbanização prematura decorrente também do êxodo rural e, por determinação de planos e normas urbanísticas foram sendo estabelecidos os espaços edificáveis, refletindo o nível de renda da população, onde àquela mais pobre passou a se alojar em condições miseráveis e anti-higiênicas.

Na década de 60, criou-se o Sistema Financeiro da Habitação (SFH) pela Lei nº 4.380/64, bem como as Sociedades de Crédito Imobiliário e as Associações de Poupança e Empréstimo, para viabilizar financiamentos habitacionais de longo prazo.

Ao final dos anos 70, vivia-se um momento de crise do petróleo e da dívida externa, o que fez a inflação disparar, ocasionando um descompasso entre os índices de correção e o saldo devedor daqueles que haviam financiado imóveis. Logo, as Associações de Poupança e Empréstimo e as Sociedades de Crédito Imobiliário foram sendo substituídas pelos bancos múltiplos na concessão de novos financiamentos.

Durante esse processo do sistema financeiro de habitação, o Banco Nacional de Habitação (BNH) foi extinto em 1986, sucedido pela Caixa Econômica Federal, havendo uma redução significativa de recursos federais para investimento na área habitacional. No mesmo ano, foi aprovada a Lei nº 11.124, que criou o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), ações planejadas em Planos Locais de Habitação de Interesse Social, no entanto, as ações não eram voltadas para a desigualdade social, o intuito era estimular o crescimento no mercado.

Observa-se que por décadas o Poder Público não foi capaz de satisfazer o direito da população que não conseguia prover por seus próprios meios a aquisição do bem imóvel, tampouco disponibilizar recursos para financiamento compatível com cada renda, uma expansão do crédito para o setor imobiliário, tanto para aquisição como para construção.

O direito à moradia só foi reconhecido como direito social na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 6º, através da Emenda Constitucional 26/2000 e, posteriormente no Estatuto de Cidade (lei 10.257/2001), que trouxe a afirmação da função social da propriedade.

Nesse ínterim, é importante destacar o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), criado através da lei 11.977/2009, que consiste na inclusão de verbas orçamentárias para financiamento de moradias de baixa renda.

Entretanto, o programa que a princípio assumiu uma proposta de universalização do acesso à moradia, foi um programa voltado ao fomento da construção civil em parceria com Estados, Municípios, empresas e entidades sem fins lucrativos.

Portanto, revela-se uma repetição cruel de desrespeito aos direitos sociais. A política pública habitacional deste programa não tem permitido o pleno exercício do direito à habitação qualitativa, tendo em vista que as construções são feitas em locais distantes do centro da cidade, com carência de transporte, atendimento de saúde e educacional.

Nesta perspectiva, as questões que nortearam este trabalho foram: a) qual a percepção do Poder Público sobre a habitação? B) qual a importância das políticas públicas habitacionais? C) quais os desafios e possibilidades para elaboração de um planejamento voltado para população de baixa renda?

A partir das questões norteadoras foi possível definir os objetivos da pesquisa, pois é preciso pensar na moradia como meio de inserção urbana da população de baixa renda e garantir a ela o direito à cidade, ou seja, é muito mais amplo do que apenas um lugar para residir.

Para alcançar os objetivos propostos, utilizou-se como recurso metodológico, a pesquisa bibliográfica.

Desenvolvimento

Os problemas urbanos vividos no Brasil, dentre eles a questão da habitação estão relacionados com a situação socioeconômica, de modo que se faz necessária a elaboração de políticas públicas voltadas à população de baixa renda a fim de reduzir as desigualdades e propiciar o desenvolvimento.

Em que pese a garantia constitucional à moradia digna, os resultados obtidos através dos planos urbanísticos, revelaram cidades de exclusão social, que não visam o bem-estar de todos, mas somente o lucro.

Após a expansão econômica das cidades, o processo de urbanização se desenvolveu de modo desordenado, onde as pessoas com maior poder aquisitivo adquiriam imóveis próximos ao centro da cidade enquanto a população pobre se aglomerava em áreas mais afastadas, na maioria das vezes em áreas de risco ou favelas e cortiços.

Em virtude das tentativas ineficientes de política institucional envolvendo moradia, mobilidade, saúde e segurança, o déficit habitacional aliado à carência de recursos, fez com que os mais pobres se aglomerassem em cortiços e “cabeças de porco” e autoconstruir habitações em locais inapropriados.

Quando se fala em processo de urbanização pressupõem-se um fenômeno moderno de uma sociedade industrializada, no entanto, quando o fenômeno da urbanização é prematuro, decorrente das condições precárias de vida no campo, necessidade de mão-de-obra escrava, etc., provoca sérios problemas de déficit habitacional, saneamento básico, segurança e degradação ambiental, além de trazer consequência para o mercado imobiliário.

Daí a importância da intervenção do Poder Público que deve amparar as camadas sociais mais vulneráveis através de legislação e planejamento adequado que estimule o mercado formal de habitação e crédito, incentivo à produção e à aquisição de novas unidades habitacionais de acordo com o poder aquisitivo da população e condições de infra-estrutura nos lugares já habitados.

É notório que todas essas medidas influenciam no mercado imobiliário, visto que o problema habitacional nas cidades envolve também a especulação imobiliária. Havendo investimento estatal neste sentido, diminui o preço dos imóveis, provendo acessibilidade aos mais pobres que desejam adquirir a casa própria, viabilizando a compra de um imóvel compatível com os rendimentos da família.

O reconhecimento do Poder Público de que a crise no sistema habitacional é também um problema social e não apenas para a economia, é imprescindível para se pensar na elaboração de políticas públicas de inclusão.

Como aponta a doutrina:

“Ao revés da habitação que engloba também as relações patrimoniais advindas da propriedade, o direito à moradia abrange um cunho eminentemente pessoal e envolve a condição digna de abrigo, ou seja, condição para o exercício de sua dignidade, liberdades e cidadania.” (apud. Mota, 2018, p.24).

As desigualdades percebidas hoje são resultado das políticas habitacionais somente voltadas para a classe média, aos trabalhadores registrados, excluindo as classes populares, que ocupam empregos informais.

Foi contra todas as mazelas, que o direito à moradia no Brasil foi reconhecido como direito social no artigo 6º da Constituição Federal advindo da Emenda Constitucional 26/2000. No texto constitucional foram ainda estabelecidas as competências entre os níveis de governo para promover programas de construção de moradias e melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico.

Cabe ressaltar que o artigo 182 da Constituição trata da política urbana e seus objetivos, dentre eles o de ordenar o pleno desenvolvimento da função social da cidade e garantir o bem-estar dos seus habitantes. Cabe ao Estado intervir na forma de utilização da propriedade urbana, devendo observar a função social da propriedade prevista no artigo 5º, inciso XXIII.

Como aponta Mota (2018, p. 95):

“De fato, ainda que de cunho social, a Constituição Cidadã manteve o sistema capitalista então sempre vigente. No entanto, mesmo na doutrina teórica capitalista há o reconhecimento que o liberalismo puro não dá conta do desenvolvimento nacional, sendo imperiosa a intervenção estatal ainda que para fins de planejamento ou fomento.”

Em relação à função social da propriedade, destaca-se o Estatuto da Cidade (lei 10.257/2001) como instrumento capaz de regular a ocupação do solo, problema social decorrente da urbanização agravada pela ausência de políticas públicas eficientes.

Não menos importante que o Estatuto da Cidade, o Plano Diretor Municipal trata da função social da propriedade urbana, com a participação democrática da população.

Assim, o Direito deve acompanhar as mudanças na sociedade e reconhecer os direitos através das garantias normativas, em meio a diversas legislações que buscaram tratar sobre as habitações populares ou concessão de crédito de forma mais acessível. Apesar de existir o programa como o Minha Casa Minha Vida, a maior parte da população ainda não foi contemplada nas 4 faixas de renda previstas. Além de não ter enfrentado o problema habitacional no Brasil, concedeu mais poder ao setor imobiliário a fim de receber mais incentivos do governo.

As políticas públicas servem para efetivar os direitos fundamentais através das ações da Administração Pública. Embora um desafio, é imprescindível a participação direta dos cidadãos e de associações representativas dos diferentes segmentos da comunidade, pois será a única garantia de que os planejamentos serão instrumentos para garantia do direito à cidade, com redução das desigualdades.

Os recursos investidos em programas habitacionais devem satisfazer as necessidades da população a quem se destina. Por isso, os empreendimentos populares têm importantes implicações no desenvolvimento das cidades e na qualidade de vida dos cidadãos.

Nesse viés, afirma Souza e Silva (2005, p. 90): “O reconhecimento realmente demográfico dos direitos à cidade passa por uma nova apropriação do espaço urbano”.

A acessibilidade aos mais pobres será assegurada quando mudar a mentalidade de que o governo precisa construir casas populares. O que é essencial é fazer infra-estrutura onde já existe casa e possibilitar que as famílias obtenham crédito com subsidio para decidirem onde querem morar. O direito à cidade deve ser democrático.

Conclusão

Diante do exposto, concluiu-se que o conceito de habitação vai além do espaço físico, mas constitui também um meio de inserção na sociedade e exercício da cidadania, mas para que isso ocorra deve haver uma mudança na mentalidade da Administração Pública ao planejar medidas voltadas para aquisição da casa própria pelas famílias pobres, pois a moradia não pode ser vista somente do ponto de vista econômico, mas, sobretudo, social.

A maneira pela qual o Estado interfere para a garantia dos direitos é o que chamamos de política social  O Estado enquanto agente garantidor dos direitos sociais na provisão do bem-estar social deve promover políticas públicas habitacionais onde haja maior participação dos cidadãos, que possam expor as reais necessidades.

Embora nas décadas de 1970 e 1980 muitas políticas habitacionais tenham sido empreendidas e a Constituição Federal de 1988 tenha instituído um capítulo destinado à política urbana, o problema do déficit habitacional não vem sendo atendido pelas políticas habitacionais existentes.

O Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social criado em 2005, objetivava possibilitar a implementação de programas habitacionais a partir da instituição de uma Política Nacional de Habitação.

Nesse intento, o Programa Minha Casa Minha Vida, apesar de impulsionar a expansão de empreendimentos imobiliários, não tem permitido o pleno exercício do direito à habitação qualitativa, tendo em vista que as construções são feitas com materiais de baixa qualidade e se localizam em locais distantes do centro da cidade, com carência de transporte, atendimento de saúde e educacional.

Considerando os problemas já verificados nas décadas anteriores e que permanecem sem solução, um dos principais desafios é saber como atuar em relação ao difícil acesso da parcela da população mais pobre ao mercado imobiliário de aquisição e aluguéis devido ao baixo poder aquisitivo e capacidade de financiamento.

A partir do estudo de caso das políticas habitacionais, vê-se que é possível ter distintas formas de articulação entre o Estado e os agentes privados ligados à construção civil, bancos e as sociedades de crédito imobiliário, o que impactaria no valor de mercado dos imóveis.

Dessa forma, é imperioso que o planejamento vise à redução da desigualdade, pois irá estimular o mercado formal de habitação e crédito, incentivo à produção por empresas privadas e à aquisição de novas unidades habitacionais de acordo com o poder aquisitivo da população e condições de infra-estrutura nos lugares já habitados.

O Poder Público deve interpretar e analisar as condições atuais de habitação no Brasil como erros cometidos, preocupando-se com a relação que uma pessoa tem com a moradia, já que a forma de ocupação urbanística e as condições em que a população vive, reflete o nível desenvolvimento ou subdesenvolvimento do país.

REFERÊNCIAS

BUONFIGLIO, Leda Velloso. Habitação de Interesse Social. Mercator (Fortaleza),  Fortaleza, v.17, e17004, 2018. Disponível em <HTTP://WWW.scielo.br/scielo. php p? script=sci_arttext&pid=S1984 -22012018000100204&lng=pt&nrm=iso>. Acessos em  10  set.  2019.  Epub 12-Mar-2018.  http://dx.doi.org/10. 4215/rm2018. e17004

FILHO, Nylson Paim de Abreu (Org.). Vade mecum acadêmico de direito. 15. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2019, 2252 p.; 23 cm

MOTA, Maurício Jorge Pereira; TORRES, Marcos Alcino de Azevedo; MOURA, Emerson Affonso da Costa. Desafios do Planejamento Urbano no Século XXI. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.

Programa Minha Casa Minha vida. Disponível em <http://www.caixa.gov.br/voce/habitacao/minha-casa-minha-vida/urbana> acesso em 10 de set. 2019.

SILVA, Jailson de Souza; BARBOSA, Jorge Luiz. Favela: Alegria e dor na cidade. Rio de Janeiro: Senac Rio, 2005.SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008.

{C}[1]{C} Graduada em Direito pela Faculdade São José (RJ). Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Católica de Petrópolis. Advogada.  E-mail: pmartins@adv.oabrj.org.br

Direitos reservados a: Paula da Silva Martins. Graduada em Direito pela Faculdade São José (RJ). Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Católica de Petrópolis e Pós-graduada em Direito Imobiliário pela Universidade Cândido Mendes. Advogada. E-mail: pmartins@adv.oabrj.org.br

Please follow and like us:
Pin Share
Copyright © All rights reserved. | Raul Gerolimich® 2013/2023 | Newsphere by AF themes.
Social media & sharing icons powered by UltimatelySocial
Twitter
Instagram