dezembro 14, 2025

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Os Direitos à Saúde e à Alimentação adequada em convergência: a obrigatoriedade do estado na promoção de alimentação especial para Celíacos.

O presente artigo discorre sobre os Direitos à Saúde e à Alimentação adequada em convergência: a obrigatoriedade do estado na promoção de alimentação especial para Celíacos.

Por | Tauã Lima Verdan Rangel e Douglas Souza Guedes

INTRODUÇÃO

O Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) é um direito humano básico e inerente a todos os indivíduos, sua positivação em diversos instrumentos do direito internacional e nacional traz uma maior segurança jurídica a aqueles indivíduos que buscam a realização desse direito. Se relacionam diretamente com a garantia do direito à alimentação os conceitos de segurança e insegurança alimentar.

A alimentação adequada é necessária para manter o funcionamento correto do organismo e garantir um estado pleno de saúde do indivíduo. O direito a Saúde é um direito fundamental social, previsto, por exemplo, pela DUDH (1948) e pela Constituição Federal de 1988, a trajetória da saúde pública no Brasil, bem como a garantia de acesso a esse direito se relacionam com o princípio da reserva do possível. Os indivíduos celíacos são aqueles que possuem certa intolerância ao glúten, sua alimentação é restritiva e de alto custo. Esses fatores por vezes levam o indivíduo portador da doença celíaca à insegurança alimentar e nutricional, violando assim o DHAA, é preciso discutir sobre a proteção jurídica dos indivíduos celíacos.

MATERIAL E MÉTODOS

Na elaboração desse estudo foi de suma importância à utilização da internet na busca por conteúdo para pesquisa, bem como a utilização de monografias, textos e artigos científicos que versam sobre o tema proposto. A metodologia empregada na construção do presente parte do método dedutivo. Como técnica de pesquisa, optou-se pela revisão de literatura sistemática, analisando-se artigos científicos e estudos sobre o tema proposto.

DESENVOLVIMENTO

O direito à alimentação é citado, declarado e ratificado por uma série de instrumentos do direito internacional, que positivam e substanciam esse direito como um consectário do princípio da dignidade da pessoa humana. O direito à alimentação pode ser classificado como um direito essencial imprescindível de condição universal e isocronicamente particular, integral, interdependente e inter-relacionado, cuja base se assenta na intransponibilidade. É também um direito social de segunda dimensão, pois presume a intervenção estatal como garantidora da alimentação e atendimento nutricional dos indivíduos (CARDOSO et al., 2014). Esse direito é positivado como um direito fundamental inicialmente pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948):

Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade (CARDOSO et al., 2014, p. 35).

A indispensabilidade de especificar e detalhar os direitos previstos pela DUDH (1948) e transformar os dispositivos “em previsões jurídicas vinculantes e obrigatórias” obrigou a Organização das Nações Unidas (ONU) assentir em 1966 o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC/1966), que reiterou o direito à alimentação em seu artigo 11º (CARDOSO et al., 2014). A definição de direito à alimentação apontada pelo PIDESC é, segundo Conti (2013), “o direito de todos de todas as pessoas e povos ao acesso físico e econômico, de modo regular, permanente e livre, diretamente ou por meio de compras financiadas, à alimentação em quantidade, em conformidade” com as mais diversas tradições e diferenças culturais, garantindo sua realização física e mental na busca pela garantia da dignidade da pessoa humana. O direito à alimentação passou a fazer parte do art. 6º da Constituição Federal de 1988, através da Emenda Constitucional nº 64/2010, essa positivação serve de base para políticas públicas de combate a fome (CONTI, 2013).

A inserção do direito à alimentação na lista dos direitos previstos pelo art. 6º da Constituição Federal de 1988 busca a melhoria das condições de vida dos brasileiros, pois a partir da positivação da garantia à alimentação como um direito fundamental social o Estado se obriga a garantir a todos uma alimentação em quantidade e qualidade adequadas. A alimentação saudável pode ser definida como a realização de uma dieta constituída de “proteínas, carboidratos, gorduras, fibras, cálcio e outros minerais, e rica em vitaminas”, ou seja, uma dieta variada no que se refere a todos os tipos de alimentos, cujo objetivo é garantir que as pessoas adultas preservem o peso adequado e vivam em uma situação saudável, quanto às crianças que “se desenvolvam bem e intelectualmente” (VAZ, 2010).

O direito à saúde foi ratificado no âmbito internacional pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e pela Organização das Nações Unidas. Em âmbito nacional, quando o direito à saúde surgiu, este estava atrelado à assistência dos trabalhadores que contribuíam para a previdência social, privando a maior parte do povo dos meios de saúde, essas pessoas não amparadas estavam sujeitas ao socorro prestado por entidades filantrópicas (BRASIL, 2007).

A saúde não era tida como um direito, mas apenas como um privilégio da previdência social. Com base nesse ponto de vista, por muitas décadas, as políticas de saúde pública eram voltadas ao amparo e preservação da força de trabalho, que era de suma importância na busca pelo capital. O setor da saúde era basicamente auxiliar e terapêutico, de cunho privado e sem espaço para as políticas públicas de saúde (BRASIL, 2007).

O artigo 6º da Constituição Federal de 1988 aduz a saúde como um direito social, “no artigo 7º há dois incisos tratando da saúde: o IV, que determina que o salário mínimo deverá ser capaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e sua família, inclusive à saúde” e o XXII que trata da questão da segurança do trabalho, onde por meios de promoção da saúde deve-se reduzir os riscos. O direito à saúde se relacionada diretamente com o direito à vida, abarcando a saúde física e mental, devendo ser garantido através de políticas públicas de prevenção, tratamento, assistência médica e outros, observando-se o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana (NASCIMENTO, 2017). O artigo 196 da Constituição Federal de 1988 assevera que a saúde é um direito inerente a todos e que é um dever do estado garanti-la, sua realização deverá ser concretizada por meio de políticas sociais e econômicas que tenham relação direta com a redução do número de doenças e “ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (NASCIMENTO, 2017).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A doença celíaca é apontada como a intolerância alimentar que mais acomete pessoas no mundo, é um estado de autoimunidade que se mantém durante toda vida do indivíduo. Depois de diagnosticada, a pessoa celíaca tem de se submeter a uma dieta com diversas restrições, pois grande parte dos produtos para o consumo tem em sua composição o trigo e consequentemente o glúten. “O glúten é a proteína de armazenamento do trigo e suas gliadinas, solúveis em álcool, são responsáveis pela instalação da doença”. A cevada, o malte, a aveia e o centeio têm moléculas cuja estrutura se concatena à gliadina do trigo, assim a ingestão do glúten provoca a manifestação clínica da doença, que se dá por conta da “resistência da digestão do mesmo pelas enzimas digestivas”, desencadeando o processo imune que ocasiona complicações no sistema gastrintestinal, mais especificamente no intestino delgado, dos celíacos (COSTA et al., 2013).

O consumo de glúten por indivíduos portadores da doença celíaca pode ocasionar diversos problemas de saúde, como por exemplo, a “má absorção de nutrientes que são essenciais para a manutenção fisiológica do organismo”, levando a perda do ferro, ácido fólico, cálcio e vitaminas que deveriam ser absorvidos pelo organismo. Essa má alimentação do celíaco pode desencadear doenças como o diabetes tipo 1, osteoporose, depressão e outros (COSTA et al., 2013).

De acordo com Pinheiro e Carvalho (2010, apud, COSTA et al., 2013) entende-se que a alimentação e a nutrição são um direito humano inerente a todos os indivíduos. Sendo o acesso à alimentação adequada um direito humano básico, é fácil entender que a falta dos alimentos que atendem a dieta do celíaco configura uma grave violação a Segurança Alimentar e Nutricional e ao Direito Humano à Alimentação Adequada. De acordo com o art. 3º da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN):

Art. 3º A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis (BRASIL, 2006).

É consenso que a SAN se subdivide em duas dimensões: “a alimentar, que trata da produção, da disponibilidade e do acesso aos alimentos; e a nutricional, que determina as relações entre o alimento, o corpo e o homem”. A garantia do DHAA para os celíacos engloba o procedimento no qual serão produzidos os alimentos, a disponibilidade, o acesso à alimentação livre de glúten e sem contaminações, em especial de resquícios de gliadina. Possuindo essas características os alimentos serão seguros e adequados, podendo sofrer perfeita absorção pelo organismo dos indivíduos celíacos (COSTA et al., 2013). Além de disponível e adequada, em termos nutricionais e quantitativos, a alimentação do indivíduo celíaco deve ser de baixo custo, ou seja, acessível financeiramente, pois os produtos livres de glúten tem um preço mais elevado (COSTA, et al., 2013). Como assevera Burity et al. (2010, apud, COSTA et al., 2013):

O direito à alimentação especial adequada aos indivíduos celíacos é corroborada por Burity et al., quando afirmam que esse tipo de alimentação é inerente a um grupo populacional que possui uma condição fisiológica diferenciada e, portanto, se faz preponderante o acesso físico e financeiro aos alimentos livres de glúten. No entanto, isto não é o bastante; existem questões religiosas e de ordem cultural que estão envolvidas nesse contexto, as quais também precisam ser respeitadas. É importante ressaltar que o tratamento dietético é o único existente para a manutenção da saúde e qualidade de vida dos celíacos, por isso a alimentação adequada a sua condição precisa de fato ser mantida ao longo de toda a vida. No entanto, é preciso considerar o fato de que o consumo dos alimentos deve ser feito de maneira consciente, buscando segurança em termos da qualidade no que se refere a produção, higiene e abastecimento, minimizando possibilidades de riscos para a saúde (BURITY et al. 2010, apud, COSTA et al., 2013, p. 417).

Levando em consideração os aspectos sociais, que envolvem a alimentação, a doença celíaca é um empecilho para a vida social dos portadores da intolerância ao glúten, pois o simples ato de fazer uma refeição fora do ambiente doméstico é um grande desafio, o que afeta diretamente a “qualidade de vida do celíaco” (COSTA et al., 2013). Quando se analisa os aspectos financeiros que compreendem a aquisição da dieta especial, “a situação pode ser ainda mais grave em classes de menor poder aquisitivo”, pois na preparação e produção desses alimentos são utilizados ingredientes que não possuem nenhum tipo de redução do fisco, acarretando em um “maior impacto no custo da alimentação, uma vez que os ingredientes sem glúten são mais caros”. Todos esses fatores levam ao problema da insegurança alimentar e nutricional que afeta uma parcela considerável dos indivíduos celíacos, “tanto os indivíduos celíacos como a alimentação dos mesmos necessitam de atenção especial” (COSTA et al., 2013). Ainda de acordo com Costa et al. (2013):

Uma medida que poderia ser incorporada à política pública voltada para o indivíduo celíaco seria a redução fiscal (ou mesmo a isenção total de impostos), para que o segmento de produção artesanal e/ou industrial de produto sem glúten seja fomentado, garantindo uma produção sistemática e de qualidade, reduzindo seus custos e permitindo a venda de seus produtos a preços mais acessíveis. O auxílio financeiro aos celíacos também pode ser outro caminho a ser percorrido. A mesma linha de investimento (social e alimentar) diz respeito à oportunidade de formação e qualificação, mediante oferta de cursos para o aprendizado de técnicas de produção de alimentos sem glúten direcionados aos celíacos e seus familiares. Neste sentido, permite-se maior diversificação alimentar e nutricional, respeitando os aspectos regionais, culturais e sociais, além de assegurar maior qualidade de vida aos celíacos (COSTA et al., 2013, p. 420).

Para garantir a SAN é necessário não apenas atender a “disponibilidade diária de certa quantidade de alimento”, mas também as condições sanitárias e a qualidade nutricional, além disso, deve se atender as exigências específicas da alimentação dos portadores de doenças, a exemplo os celíacos, a cultura e a saúde dos indivíduos (COSTA et al., 2013).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Configura, portanto uma grave violação do Direito Humano à Alimentação e ao conceito de Segurança Alimentar a restrição alimentar na qual estão sujeitos os indivíduos celíacos, sobretudo os que integram a parte mais pobre da sociedade. É dever do Estado atender as necessidades alimentares e nutricionais dos célicos, na busca pela garantia da saúde e da dignidade da pessoa humana.

A positivação do direito de acesso à alimentação adequada configura uma base jurídica para ingressar com ações judiciais com objetivo de pleitear a realização desse direito humano básico. A alimentação se desdobra não somente nos aspectos nutricionais, mas também, de certa forma, em aspectos sociais. Muitas vezes o celíaco é privado de atos simples e socializadores por conta de sua restrição alimentar, o que pode levar em muitos casos a depressão. O Estado assume então papel primordial da garantia de direitos e inclusão dos celíacos, devendo ser acionado judicialmente sempre que se fizer necessário, com a utilização dos devidos dispositivos legais.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Caminhos do direito à saúde no Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Brasília Ministério da Saúde, 2007. Disponível em:< http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caminhos_direito_saude_brasil.pdf> acesso em 01 mai. 2018.

BRASIL. Lei Nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11346.htm> acesso em 04 mai. 2018.

CARDOSO, Sofia; MOTA; Inês; QUEIROZ, Ana. O Direito à Alimentação Saudável no Contexto das Políticas Nutricionais. In: Acta Portuguesa de Nutrição, n. 2, a. 5, 2014, p. 34-37. Disponível em: <http://www.scielo.mec.pt/pdf/apn/n2/n2a05.pdf> Acesso em 30 abr. 2018.

CONTI, Irio Luiz. Interfaces entre Direito Humano à Alimentação Adequada, Soberania Alimentar, Segurança Alimentar e Nutricional e Agricultura Familiar. In: CONTI, Irio Luiz; SCHROEDER, Edni Oscar (org.). Convivência com o Semiárido Brasileiro: autonomia e protagonismo social. Brasília: Editora IABS, 2013. Disponível em:< http://plataforma.redesan.ufrgs.br/biblioteca/mostrar_bib.php?COD_ARQUIVO=17909> Acesso em 30 abr. 2018.

COSTA, Islandia Bezerra da et al. O princípio do direito humano à alimentação adequada e a doença celíaca: avanços e desafios. In: Demetra: Alimentação, Nutrição e Saúde, n. 8, v. 3, 2013, p. 411-423. Disponível em: <http://www.fenacelbra.com.br/arquivos/publicacoes/principio_direito_humano_alimentacao.pdf> Acesso em 04 mai. 2018.

NASCIMENTO, Ana Franco do. Direito à saúde deve ser visto em face do princípio da reserva do possível. In: Conjur: portal eletrônico de informações, 12 fev. 2017. Disponível em:< https://www.conjur.com.br/2017-fev-12/ana-franco-direito-saude-visto-face-reserva-possivel#author> Acesso em 01 mai. 2018.

VAZ, Jose Eduardo Parlato Fonseca. O direito social à alimentação. In: Conteúdo Jurídico, Brasília, 2010. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.27900&seo=1>. Acesso em: 30 abr. 2018.

Autores:

Douglas Souza Guedes é Discente do 5º período do Curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos. E-mail: dsouzaguedes@gmail.com

Tauã Lima Verdan Rangel é Doutor e Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense. Especialista em Direito Administrativo pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante. Especialista em Direito Ambiental pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante. Especialista em Direito de Família pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante. Especialista em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Professor do Curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana. E-mail: taua_verdan2@hotmail.com

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