maio 16, 2024

Raul Gerolimich Consultoria Jurídica e Imobiliária

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O Instituto da Usucapião Familiar: uma abordagem histórica sobre o instituto da usucapião e sua aplicação na legislação brasileira contemporânea

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O presente artigo buscará abordar de forma simples e cristalina o instituto da usucapião familiar, trazendo a baila todo o histórico sobre o tema. Sabe-se que, o instituto da usucapião surgiu no código de Hamurabi, contudo, sem essa nomenclatura. Já o império romano, com a lei das doze tábuas a nomenclatura usucapião mostrou-se visível e sua aplicabilidade recaia não só sobre os bens imóveis, mas também sobre os móveis, bem como os requisitos de aquisição. No Brasil o instituto da usucapião é disciplinado no código civil de 2002, tendo em vista que o novo código de processo civil de 2015 deixou de regulamentar a usucapião em seu texto normativo. Noutro lado, a usucapião especial rural e a urbana são disciplinadas em leis específicas o que torna o processo válido perante o poder judiciário, não se exigindo as normativas no código de processo civil. Por fim, será abordado o instituto da usucapião familiar, outra inovação legislativa, que foi instituída com o escopo de proteger o cônjuge que foi abandonado, lhe concedendo o direito de usucapir a metade do imóvel do outro cônjuge, desde que observados os requisitos legais para propor a competente ação.

Por |Oswaldo Moreira Ferreira e Lucas Rocha de Oliveira

1. INTRODUÇÃO

Sabe-se que o instituto da usucapião é um dos mais antigos dentro do mundo jurídico, tendo sua aplicabilidade iniciada no Código de Hamurabi (1.694 a.C). Mais adiante na história, já em Roma, foram instituídas normas que ficaram conhecidas como as Leis das Doze Tábuas, onde a usucapião teve sua nomenclatura exposta para que todos tivessem ciência do instituto que acabara de nascer, que fixava requisitos para os bens imóveis ou móveis fossem adquiridos. É público e notório que a usucapião é um instituto dentro do direito com uma alta incidência de ações no Brasil, onde muitas das vezes tem como fundamento a regularização de uma situação legal preexistente, ou seja, o requerente adquiriu determinado bem imóvel ou móvel de forma legal e pretende apenas registrar seu bem, ou seja, tornando o bem público perante todos.

Recentemente, o instituto da usucapião foi ampliado, concedendo o direito ao cônjuge que foi abandonado de usucapir a metade do outro cônjuge, desde que preenchidos os requisitos legais informados no art. 1.240-A do Diploma Civil Brasileiro de 2002. Sendo assim, o presente estudo fará um apanhando de forma direta do instituto da usucapião familiar e seus requisitos, abordando com clareza quais são os direitos desse cônjuge abandonado.

2. BREVE HISTÓRICO DO INSTITUTO DA USUCAPIÃO

Em tempos pretéritos o instituto da usucapião já era matéria legislada, com início na antiga Babilônia, hoje atualmente Iraque, onde reinava Hamurabi (1.694 a.C), que determinou que fossem gravados em uma pedra (monolito) normas que norteassem toda gama de demanda comercial, penal, civil. O rei Hamurabi ficou conhecido por efetivar a lei de talião (olho por olho, dente por dente), que regulamentava a pena de morte em determinados casos.

Dentre outros institutos que o direito civil abarca o da usucapião já era previsto no Código de Hamurabi, conforme se verifica abaixo:

30º – Se um oficial um ou gregário descura e abandona seu campo, o horto e a casa em vez de gozá-los, e um outro toma posse do seu campo, do horto e da casa; se ele volta e pretende seu campo, horto e casa, não lhe deverão ser dados, aquele que deles tomou posse e os gozou, deverá continuar a gozá-los.

31º – Se ele abandona por um ano e volta, o campo, o horto e a casa lhe deverão ser restituídos e ele deverá assumi-los de novo (DEMOURA, 2011) (grifo nosso).

A princípio em uma leitura superficial, nota-se que o Código de Hamurabi em seu artigo 30 previa o instituto da usucapião, bem como seus requisitos, ao apontar o descuido do proprietário da terra e o abandono. Insta salientar, que são cristalinas as palavras de Hamurabi ao afirmar que caso o dono da propriedade venha a ser ausentar, deixando sua terra em situação de descura, ou seja, deixar sem cuidado, o mesmo poderia ser atingido pela perda do bem imóvel, em outras palavras, perderia o domínio que recaia sobre sua propriedade. Cumpre salientar que, quando foi formulado o Código de Hamurabi o termo “usucapião” não foi utilizado, contudo sua essência e determinado requisito eram claros.

Noutro lado, a legislação é taxativa em afirmar o prazo de um ano “decadencial”, para que o dono da propriedade retome sua posse, contudo com uma observação a ser feita, a terra deveria estar cuidada. Assim sendo, o antigo dono retornando em até um ano, retomaria sua propriedade e o invasor seria expulso. Mas, como pode ser observado, caso o cidadão retorne após um ano, o mesmo não teria mais direito à sua propriedade, exercendo o invasor o “instituto da usucapião” do terreno.

A primeira aparição do instituto da usucapião nas legislações da antiguidade foi no direito romano com a Lei das Doze Tábuas (XII Tábuas), mas precisamente no item 5 da Sexta Tábua, conforme se verifica: “As terras serão adquiridas por usucapião depois de dois anos de posse, as coisas móveis depois de um ano” (ROSSI, 2010).

Além da previsão de aquisição por usucapião de bem imóveis e móveis, a Lei das Doze Tábuas também previa outras hipóteses que veda o cidadão de adquirir algo, conforme se verifica abaixo descrito:

Tábua II

11. A coisa furtada nunca poderá ser adquirida por usucapião.

Tábua III

O estrangeiro jamais poderá adquirir bem algum por usucapião. Contra ele eterna vigilância.

Tábua VIII

A área de cinco pés deixada livre entre os campos limítrofes (é res sacra não pode ser adquirida por usucapião).

Tábua X

Que o vestíbulo de um túmulo jamais possa ser adquirido por usucapião, assim como o próprio túmulo. (ROSSI, 2010).

Sendo assim, pode ser observado que o instituto da usucapião teve seu início mesmo antes do advento da Lei das Doze Tábuas. Nota-se também que, o instituto gravado nas tábuas, possui requisitos básicos para requer a propriedade do bem que se está pleiteando, podendo ser imóvel ou móvel. Por fim, as instruções normativas das XII Tábuas, também previam há não aplicabilidade do instituto da usucapião, conforme todo exposto acima.

3. O INSTITUTO DA USUCAPIÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Antes de tecer qualquer comentário acerca do instituto da usucapião, faz-se necessário mencionar que a aquisição de determinado bem, pode se dar de duas formas, segundo a classificação de Carlos Roberto Gonçalves:

Originária: quando não há transmissão de um sujeito para outro, como ocorre na acessão natural e na usucapião. O indivíduo, em dado momento, torna-se dono de uma coisa por fazê-la sua, sem que lhe tenha sido transmitida por alguém, ou por que jamais esteve sob o domínio de outrem. Não há relação causal entre a propriedade adquirida e o estado jurídico anterior da própria coisa.

Derivada: quando resulta de uma relação negocial entre o anterior proprietário e o adquirente, havendo, pois, uma transmissão do domínio em razão da manifestação de vontade, como no registro do título translativo e na tradição (GONÇALVES, 2014, p. 278).

Cristiano Sobral, explica em sua obra as formas originária e derivada de aquisição de posse, no qual afirmar que:

Pode-se adquirir a posse de forma originária e derivada. A aquisição originária ocorre nos casos em que não há relação de casualidade entre a posse atual e a anterior. É o que acontece quando há esbulho, e o vício, posteriormente, cessa. Já a aquisição derivada ocorre quando há anuência do anterior possuidor, como na tradição (PINTO, 2016, p. 676).

Conforme exposto por de Adroaldo Furtado Fabrício, a usucapião é o modo de aquisição originária, conforme se verifica:

a usucapião é forma originária de adquirir: o usucapiente não adquire a alguém; adquire, simplesmente. Se propriedade anterior existiu sobre o bem, é direito que morreu, suplantado pelo do usucapiente, sem transmitir ao direito novo qualquer de seus caracteres, vícios ou limitações. Aliás, é de todo irrelevante, do ponto de vista da prescrição aquisitiva, a existência ou não daquele direito anterior (FABRÍCIO, 2002, p. 517).

Em primeiro lugar, antes de adentrar no tema em tela, faz-se necessário mencionar o conceito do instituto da usucapião. Nas cristalinas palavras do doutrinador Carlos Roberto Gonçalves a usucapião é:

A usucapião é também chamada de prescrição aquisitiva, em confronto com a prescrição extintiva, que é disciplina da nos arts. 205 e 206 do Código Civil. Em ambas, aparece o elemento tempo, influindo na aquisição e na extinção de direitos (GONÇALVES, 2014, p. 279).

No ordenamento jurídico brasileiro contemporâneo existem seis espécies de usucapião, podendo ser de imóvel urbano, rural e de bem móvel. A saber: usucapião ordinário, extraordinário, especial rural, especial urbana, usucapião familiar, usucapião coletivo. Consoante ao que estabelece o Código Civil de 2002, no que tange ao artigo 1242, reflete a hipótese ordinária de usucapir, veja-se:

Artigo 1242. Adquire também propriedade de um imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.

Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelado posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico. (BRASIL, 2002).

Desta forma, para que um bem imóvel possa ser usucapido, é necessário ser cumprido todos os requisitos acima elencados, ao passo que, inexistindo o lapso temporal, o animus domini, a boa-fé, justo título, e objeto hábil, alem das condições da ação, legitimidade de partes, e interesse de agir, obsta a pretensão de aquisição do domínio do bem. No que tange esta modalidade de usucapião, o justo título e a boa-fé, se tornam requisitos intrínsecos deste tipo de aquisição, uma vez que a lei exige que o ato seja formalizado e devidamente registrado, fundado do direito prescribente, a exemplo a lavratura de escritura pública de compra e venda. No que se refere à Boa-fé, deve estar presente desde o início da posse, e resistir todo período de aquisição, bem como, se manifesta na crença de que o imóvel a ser usucapido é realmente pertencente do usucapindo.

Em continuidade a analise das espécies de usucapião, extrai-se da leitura do artigo 1.238 do Código Civil, a modalidade extraordinária de se usucapir um bem imóvel:

Artigo 1.238, CC: Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. (BRASIL, 2002).

Não de forma de forma distinta ao tipo já analisado, para que se possa obter a propriedade do imóvel é necessário que estejam presentes os requisitos essenciais, quais sejam, posse com animus domini, lapso temporal e objeto hábil, para que se possa obter a propriedade do imóvel usucapiendo. Esta modalidade é conhecida por seu longo prazo de aquisição de domínio sobre o bem.

Nesse panorama, o justo título de boa-fé então exigido pela modalidade ordinária, é dispensado neste momento, isto porque, a longa duração da posse supre a sua falta, podendo adquirir a coisa possuída em sua integralidade. No entanto, deverá haver a ininterrupção da posse, ou seja, sem oposição e continua. Da mesma forma, deverá ser incontestada, tranqüila, de conhecimento notório e público, mansa e pacífica. Segundo disciplina Washington de Barros Monteiro esta modalidade de usucapião:

[…] repousa em duas situações bem definidas: a atividade singular do possuidor e a passividade geral de terceiros, diante daquela atuação individual. Se essas duas atitudes perduram contínua e pacificamente por quinze anos, ou dez anos, ininterruptos, consuma-se o usucapião. Qualquer oposição subseqüente mostrar-se-á inoperante, porque esbarrará ante o fato consumado (MONTEIRO, 2003, p. 124).

Coadunando o que fora expresso, relevante a questão referente à acessão e sucessão de posses. Nos termos do artigo 1.243 do Código Civil de 2002

O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores, contanto que, todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do artigo 1.242, com justo título e boa-fé (BRASIL, 2002).

Dessa senda, significa que acessão de tempo é a junção do lapso temporal, durante o qual o seu antecessor já estava exercendo a posse sobre a coisa, o que se da a título universal ou singular, isto é, como sucessor universal tem-se o posseiro que substitui o antecessor na totalidade dos bens pertencentes ao patrimônio do de cujus. A luz do disposto no artigo 1.784 do Código Civil de 2002: “aberta a sucessão, a herança transmite-se desde logo aos herdeiros legítimos e testamentários”, assim, tem-se que esta posse será transmitida com todos os vícios lhe inerentes, contudo, da leitura do artigo 1.207 do Código Civil de 2002, pode-se concluir, que a acessão a título singular, os vícios da posse anterior não são transmitidos, pois ao adquirir a posse, é iniciado um novo estado da mesma, livre de quaisquer vícios anteriores, ou de forma reversa, caso a posse seja eivada de vícios, o sucessor singular tem a faculdade de não somar as duas, devido ao estado novo que esta apresenta quando a adquiriu.

No que tange a usucapião urbana, encontra-se disciplinada no artigo 1.240 do Código Civil de 2002, que estabelece:

Artigo 1240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de ate duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural (BRASIL, 2002).

Esta modalidade tem caráter eminente social, e aparentemente se assemelha a extraordinária por não exigir o justo titulo e a boa-fé. No entanto, outros elementos a distingue como: sua incidência se dá apenas em área urbana; a área usucapienda se restringe a no máximo duzentos e cinqüenta metros quadrados; é exigido que o usucapiente utilize a área urbana para sua moradia ou de seus familiares; e não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Seus demais requisitos essenciais são o animus domini, a posse contínua e sem oposição. Nesta modalidade de usucapião, não é admissível a acessão ou junção de posses em favor do sucessor singular, vez que há exigência de que a posse seja pessoal e com o intuito de moradia, desde o início do lapso temporal.

Quanto à modalidade rural, esta prevista no artigo 1.239 do Código Civil de 2002 que dispõe:

Artigo 1239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade (BRASIL, 2002).

São requisitos imprescindíveis a sua constituição, animus domini, lapso temporal, posse ininterrupta com obrigatoriedade de moradia na área rural usucapienda e o dever de torná-la produtiva por seu trabalho ou de sua família, sem oposição. Como pode ser observado, quis o legislador beneficiar aquele que passou a produzir em favor de seu trabalho ou pela subsistência de sua família em áreas rurais, com objetivo de fixar o trabalhador rural no campo. Ademais, o usucapindo não pode possuir outro imóvel urbano ou rural.

No que tange a usucapião coletiva, esta modalidade encontra-se disciplinada no artigo 10 da Lei 10.257/2001:

Artigo 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1° O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.

§ 2° A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis.

§ 3° Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.

§ 4° O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio.

§ 5° As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes (BRASIL, 2001).

Em tempos atuais, as grandes cidades abarcam uma grande parcela da população vivendo irregularmente segundo uma visão positivista do registro de Imóveis, diante os aglomerados de conjuntos habitacionais, como por exemplos as periferias, que integram a zona urbana, e não podem ser removíveis. Nesse sentido, disserta Ricardo Pereira Lira:

[…] as populações carentes, predominantemente vindas do campo e até mesmo de áreas urbanas menos atendidas, em virtude da valorização do centro urbano, inclusive peça prática das renovações urbanísticas, se assentam nas periferias (LIRA, 1997, p. 300).

Deste modo, quis o legislador dar acesso as comunidades carentes para obtenção de suas moradias, uma vez que, as populações de baixa renda encontram dificuldade em adquirir propriedade de forma convencional, permitindo desta forma que venham a usucapir conjuntamente com a finalidade de fazer morada. Se tornando, de grande relevância o instituto em apreço para a regularização fundiária dos grandes centros.

Em consonância com o assunto em pauta, cumpre instar ainda sobre o instituto da usucapião extrajudicial, que embora estipulada pelo código civil, é uma novidade trazida pela desjudicialização ou extrajudicialização do Direito. Nesse paradigma, o novel Código de Processo Civil, introduzido pela lei 13.105/2015, prevê em seu artigo 1.071, um procedimento administrativo extrajudicial para usucapir bem imóveis. Importante mencionar, que este dispositivo não cria a usucapião administrativa, mas tão somente regula sua normatização. Isto porque, este instituo já encontra-se previsto no artigo 60 da lei 11.979/2009. Desta forma, a Lei de Registros Públicos, passa a ser acrescida do artigo 216-A, que regula o procedimento da usucapião a ser requerido perante o oficial de registro de imóveis.

O foro competente para distribuir o presente requerimento será o do local do imóvel, coisa que será usucapida, e deverá ser dirigida ao oficial do Registro de Imóveis. A ele compete conduzir o procedimento administrativo que levará ao registro da usucapião, se todos os seus requisitos legais forem preenchidos e não houver litígio. Com objetivo de comprovar a posse que recai sobre o bem, os documentos a serem apresentados, inclui-se o justo título, se houver, ata notarial regulada seus termos pelo artigo 384 do novo Código de Processo Civil, planta do imóvel, com memorial descritivo e anotação de responsabilidade técnica, prova da quitação de tributos e taxas e quaisquer outros documentos que evidenciem a posse, como contratos de prestação de serviço no imóvel, correspondências, etc.

Ultrapassada as considerações superficiais sobre as espécies da usucapião, reserva-se um espaço especial para discorrer sobre o assunto foco do presente artigo, a usucapião familiar.

4. APONTAMENTOS SOBRE O INSTITUTO DA USUCAPIÃO FAMILIAR E O ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Não se pode negar que o direito é uma ciência mutável, que sempre se molda de acordo com a evolução social. E sobre o instituto da usucapião não seria diferente, alterando para conceder ao cônjuge que ficou na residência o direito usucapir a parte do outro, contudo, desde que cumpra os requisitos legais e os advindos da mutação legal.

Os requisitos comuns estão talhados no art. 1.240-A do Diploma Civil, artigo este que foi incluído pela Lei Federal n. 12.424/201, como se pode observar:

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.  (BRASIL, 2002).

Em um breve apontamento, cabe ressaltar que a lei supracitada regulamentou o programa minha casa minha vida, sendo o artigo acima mencionado acrescido por ela.

Em sua obra Maria Berenice Dias, cita que a usucapião servirá para garantir o direito à moradia da mulher, que durante o rompimento do relacionamento é a que fica com a guarda dos filhos, como se vê:

Claro que a tentativa é assegurar o uso social da propriedade, protegendo o direito constitucional à moradia (CF 6.º). Dispõe de nítido caráter protetivo à mulher que, normalmente, é quem fica com a guarda dos filhos, além de punir quem abandona o lar. Dá ensejo à perda da propriedade não exclusivamente o abandono físico, mas também o abandono material (DIAS, 2016, 586/587).

Contudo, abre-se aqui uma pequena e singela observação, o citado por autora não traz dados estatísticos concretos para afirmar o aludido, cabendo nesse momento este apontamento sobre o tema em tela.

No tocante aos requisitos legais, podem ser citados os próprios instituídos pelo Código Civil e pelas leis esparsas. Noutro lado, como se trata de uma nova ação judicial, não seria diferente a mesma possuir seus requisitos individuais, como se pode observar no julgado do Superior Tribunal de Justiça, que corroborou a decisão do juízo a quo, não concedendo o direito de usucapir a metade do imóvel, tendo em vista que o outro cônjuge não abandonou o lar por liberalidade, como se vê:

O Tribunal local concluiu que não poderia ser reconhecida a usucapião familiar, utilizando-se dos seguintes fundamentos: O ato de abandono, quesito dessa nova modalidade, deve ser voluntário e injustificado, ou seja, o cônjuge pretendente deverá demonstrar que a saída do lar se deu injustificadamente. Nesse passo, a saída de um dos cônjuges por motivos alheios à sua vontade não pode taxada de abandono de lar. No caso, tenho que não merece prosperar a pretensão da recorrente, de reconhecimento da nova modalidade de usucapião, como fato impeditivo do direito de partilha sobre o citado bem imóvel, já que, não se verifica o preenchimento dos requisitos legais, especificamente o de abandono do lar. Tem-se que o apelado, não abandonou o lar por liberalidade, e sim por não se mais possível a convivência harmoniosa sob o mesmo teto, com bem observado pelo Magistrado a quo [1].

Sendo assim, os além dos requisitos elencados na legislação, deve-se observar as peculiaridades de cada caso, cabendo interpretação em torno de cada ação proposta, conforme se verifica no julgamento do Superior Tribunal de Justiça citado acima.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo exposto, pode-se afirmar que o instituto da usucapião é um dos mais antigos da história do direito, cabendo um lugar de destaque entre os demais. Cumpre salientar que, a usucapião desde a antiguidade guarda seus próprios requisitos, que de acordo com o tempo sofreram mutações alargando o leque de possibilidades para instruir o procedimento, cabendo ao requerente pleitear somente quando estiver apto e agasalhado pelo direito de usucapir.

Por fim, a nova modalidade usucapir pelo cônjuge, foi uma inovação legislativa, que garante o direito obter a metade do outro cônjuge, ou seja, de tomar para si a totalidade do imóvel que antes era dividido. Como se observou no estudo acima, o instituto da usucapião familiar possui suas peculiaridades, que deverão ser observadas quando requerido pelo cônjuge abandonado.

7. REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 14 abr. 2017.

______. Lei 10.257 de 10 de julho de 2001. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 14 abr. 2017.

DEMOURA Gutemberg. Código de Hamurabi. Disponível em: . Acesso em 14 abr. 2017.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4ª ed. ED. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2016.

FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Comentários ao Código de Processo Civil, v. VIII, t. III, ED. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2002.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Esquematizado. Volume 3. ED Saraiva. São Paulo, 2014.

LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de Direito Urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, 39ª ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2003.

PINTO, Cristiano Vieira Sobral. Direito Civil Sistematizado. Revista Atualizada e ampliada. 7ª ed. ED JusPODIVM. Salvador, 2016.

ROSSI, T.S. A Lei das XII Tábuas. Disponível em . Acesso em: 11 abr. 2017.

NOTAS:

[1] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO ESPECIAL Nº 1.641.512 – MT (2016/0313499-9) RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZI RECORRENTE : B W ADVOGADO : LEONARDO SANTOS DE RESENDE E OUTRO (S) – MT006358 RECORRIDO : I DA R ADVOGADO : JOSE SERGIO MARTINS RIBEIRO E OUTRO (S) – MT014310 DECISÃO Cuida-se de recurso especial interposto por B W, com fulcro no artigo 105, inciso III, alínea a, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, assim ementado (fl. 104, e-STJ): APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO – PARTILHA DE BEM IMÓVEL – PRETENSÃO DE USUCAPIÃO FAMILIAR POR ABANDONO DO LAR – ART. 1.242-A DO CÓDIGO CIVIL – INVIABILIDADE – IMÓVEL ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO – DIREITO DE PARTILHA – MANUTENÇÃO – RECURSO .

(STJ – REsp: 1641512 MT 2016/0313499-9, Relator: Ministro MARCO BUZZI, Data de Publicação: DJ 10/03/2017). Acesso em 14 abr. 2017.

Autores:

Oswaldo Moreira Ferreira é Mestrando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Cognição e Linguagem da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF; Especialista em Direito Civil pela Universidade Gama Filho; Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES; Servidor Público do Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo; Professor do curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos – FAMESC. E-mail: oswaldomf@gmail.com

Lucas Rocha de Oliveira é Graduando do 10º período de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos – RJ – FAMESC; Escrevente, no Cartório do 2º Ofício de Justiça de Bom Jesus do Itabapoana – RJ. E-mail: lucas.cartorio@yahoo.com.br

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