maio 14, 2024

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A Instrução Normativa Número 39/2016 do Tribunal Superior do Trabalho e o novo CPC – primeiras impressões

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A Instrução Normativa nº 39/2016 e o novo CPC

Fonte: Elvis Rossi da Silva

É certo que existe sempre uma apreensão quando uma nova lei (mormente as de grande vulto) é inserida no ordenamento jurídico, como o caso de um Código de Processo Civil, diploma que busca regular ‘todas’ as nuances existentes nos processos que se desenvolvem perante o judiciário que tem, como função típica de Poder da República, a de dizer o direito num caso concreto.

Já em 1872 Joaquim José Caetano Pereira e Sousa dizia (in Primeiras Linhas de Processo Civil) que: “processo é a forma estabelecida pelas Leis para se tratarem as causas em Juízo. Esta forma judiciária compreende todos os atos que se fazem para instrução da causa, e para decisão dela… o seu fim é fazer conhecer a verdade dando lugar às parles litigantes para estabelecerem os seus direitos, a maneira simples e natural…” (adaptamos para corresponder à nossa atual ortografia).

De tal sorte que o processo é um instrumento que dá às partes a oportunidade de, perante o Judiciário, apresentar suas queixas e direitos para que se lhes dê a solução.

O Judiciário possui, como já adiantamos, como função típica a de aplicar o direito no caso concreto; isso quer dizer que o judiciário aplica a norma Geral e Abstrata (criada pela fonte formal Poder Legislativo), ao caso que está julgando; essa decisão cria uma norma individual e concreta para as partes; a decisão jurisdicional é, então, no caso de sua função típica, uma norma obrigatória.

Mas atentemos que essa norma criada pelo Judiciário em sua função típica é individual e concreta, e não geral e abstrata (pode ser geral e concreta, mas nunca abstrata e geral).

Há casos, pela necessidade de auto administração, que um Poder da República (seja Executivo, Legislativo ou Judiciário), necessita ter capacidade para auto gerenciamento (em sua manifestação como órgão), de forma que a Constituição dá ao Órgão do Poder competência/poder para atuar em uma função que não lhe é típica, como por exemplo, Legislar para o Judiciário, ou julgar para o Legislativo etc.

Assim, pode, v.g., o Judiciário legislar, mas não como Fonte Primária de normas como o Poder Legislativo, essa função é anômala, seria melhor dizer, ele pode criar normas que são necessária à sua esfera de órgão, normas que dizem respeito a questões internas suas.

Tal noção possui relevo inegável, pois não se trata de mera natureza regulatória, mas de saber qual é a função primária do Poder e verificar a integridade do sistema dos Poderes da República, conforme lhe atribui a Constituição Federal.

Assim, a função de Legislar é do Legislativo (normas gerais e abstratas), a de Julgar, do Judiciário (normas individuais e concretas), e as funções de governo e administração, do Executivo.

Assim, as funções anômalas de cada órgão não apenas garante sua independência, auto gerência e convívio harmonioso, mas também impede que os órgãos invadam as funções típicas de outro poder fora dos limites constitucionais.

Assim, atipicamente o Legislativo pode Julgar, mas apenas nos casos previstos pela Constituição Federal; e o Judiciário pode legislar (criar normas), mas apenas nos limites estabelecidos na Constituição.

De tal sorte, então, o Judiciário não pode tornar-se fonte de normas Gerais e Abstratas, sob pena de usurpar função do Legislativo.

E onde está neste enredo a IN número 39, de 2016, do TST?

Antes de mais nada reconhecemos que a necessidade prática, às vezes, pode parecer mais acertada, mas esta busca de um pragmatismo total, que deixa de lado todo o sistema para atingir um resultado útil e imediato, pode levar à destruição da segurança jurídica no mesmo momento que a busca como fundamento do ato praticado. Explicamos.

A referida instrução, assim, querendo antecipar os problemas (naturais num mundo onde o Judiciário precisa tomar a lei, interpretá-la ante o caso concreto depois de ouvir as partes e aplicá-la), comete três falhas (pelo menos à primeira vista é o que nos parece).

O Primeiro é que a IN não é Lei em sentido estrito, quer dizer, o Judiciário (TST), não é fonte de Lei Geral e Abstrata, ele não pode criar lei que discipline uma questão (um fato qualquer), e vincule a todos no País. Nem pode criar uma Lei Interpretativa dizendo como se deve interpretar tal ou qual artigo de lei duma forma ou outra (se é que é possível criar uma Lei interpretativa e limitar o próprio processo de interpretação, integração e aplicação do ordenamento jurídico, que é deferido ao Judiciário em casos concretos, e citando Pietro Virga: “…le definizioni legislative non vincolano l’interprete”). E mais, uma Instrução Normativa é ato interno do órgão.

O poder ‘regulamentar’ em questão (se é que pode ser chamado de regulamentar), diz respeito à função administrativa (anômala de auto determinação do órgão Judiciário), privativo do chefe do órgão, quando ou diz respeito a assuntos internos ou quando é possível a regulamentação de uma lei que o Legislador deixou margem para regulamentação (e nem vamos entrar no mérito das diferenças entre Lei e atos regulamentares administrativos). Sabe-se que o poder normativo anômalo de um órgão pode se expressar por meio de resoluções, portarias, instruções, que são editadas pelos órgãos do poder em assuntos exclusivamente a ele pertinente (e veja que o TST nem é o órgão de Cúpula do Poder Judiciário no Brasil). De tal forma, a abrangência dessas normas é limitada à sua estrutura. De tal sorte, ainda, nessas hipóteses: “o ato normativo não pode contrariar a lei, nem criar direitos, impor obrigações, proibições, penalidades que nela não estejam previstos, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade…” (Maria Sylvia Zanella Di Pietro – 27ª Ed., Atlas, 2014. pg. 95). Assim, surgem as questões seguintes: onde se encaixa a norma em sua imposição? É Coercitiva? É Interpretativa? Equivale a lei em sentido estrito? Regula uma lei? (neste caso é decreto regulamentar?) O judiciário pode regulamentar lei como se fosse o Poder Executivo?

O segundo problema, ao que parece, é inicialmente a supressão da própria função jurisdicional dos órgãos de primeira e segunda instância, de modo que já não há a possibilidade de análise, interpretação, integração e aplicação do direito no caso concreto pelos juízes, o que, por conseqüência, acaba ferindo a própria independência funcional (e a independência funcional da magistratura é uma garantia institucional do regime Democrático). Isto porque uma IN não é Lei e muito menos Constituição Federal, sequer há de se assemelhar o fato à jurisprudência/súmula vinculante. Ademais, a IN jamais passou pela formação da norma jurídica emanada pelo judiciário quando pronuncia uma decisão ‘jurisdicional’; esta decisão jurisdicional tem processo de gênese que resulta na norma individual e concretra, e este processo conta com a participação das partes (o devido processo legal, que é princípio do Estado Democrático). Pois bem.

E o terceiro problema, que nos parece existir, é criar, por norma que não é Lei, uma nova Lei Processual, um Código de Processo Trabalhista, uma Lei anômala, que nem é o CPC, nem é a CLT, em busca de um pragmatismo soberbo, buscando antecipar-se a “problemas” e fixar a sua prévia solução sem a participação das partes no caso concreto, impedindo a formação, sim, de uma jurisprudência criteriosa. Não fosse assim, não revelaria a própria IN que identifica normas: não aplicáveis, aplicáveis e aplicáveis em termos (nota da IN na “Breve exposição de Motivos”).

A IN ainda diz que o rol não é taxativo, mas o que está no rol é vinculante? Se não é vinculante, não há razão de ser; se é vinculante, resulta nos problemas elencados acima? (e nem vamos entrar na questão dos pressupostos de validade).

Por fim, cremos que o pragmatismo presunçoso dos Legisladores, em crer que a edição de Leis seja a solução dos problemas tão diversos da sociedade, resulta em outros tantos problemas; a criação de Leis de grande impacto, como são os Códigos de Processos, sem buscar a coesão do ordenamento jurídico, e ainda, sua feitura a “toque de caixa”, é um flagrante desrespeito à segurança jurídica que não pode ser tratado com simplismo e serviência incondicional, sob pena de violarmos os pilares da constitucionalidade, da legalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, sem os quais não há ordem, mas a forja das arbitrariedades.

BIBLIOGRAFIA

BULOS, Uadi Lammêgo; Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Saraiva.2007.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27ª Edição. São Paulo. Atlas. 2014.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Cursod e direito administrativo. Malheiros Editores. São Paulo. 26ª Edição. 2008.

MENDES, Gilmar Ferreira; Inocêncio Mártires Coelho; Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de direito constitucional. São Paulo. Saraiva. 4ª edição. 2009.

SOUSA, Joaquim José Caetano Pereira e. Primeiras linhas de processo civil. Coimbra. Imprensa Literária. 1872.

VIRGA, Pietro. Diritto amministrativo. Giuffre Editore. Milano. 6ª Edizione. 2001.

Autor: Elvis Rossi da Silva é Advogado e Consultor Jurídico em Ribeirão Preto, SP, e Região. Pós Graduado em Direito Civil e Processual Civil pela UCDB – Universidade Católica Dom Bosco. Pós Graduado em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

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