maio 14, 2024

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Da ditadura ao estado democrático de direito: a ameaça às liberdades civis na contemporaneidade

9 min read

Na ditadura e hoje vivenciamos sob a ameaça às liberdades civis, políticas e culturais para além de ideologias o povo quer ter o direito de se expressar e ser reconhecido como cidadão. O Estado insiste em reprimir com o uso da força a voz dos pobres com o discurso demagógico de dar segurança aos ricos. Revela-se a ineficiência institucional em tratar com dignidade a todos ao invés de culpar e penalizar os pobres pela insegurança com mais repressão

Por | Afonso Soares de Oliveira Sobrinho

INTRODUÇAO
Nesse ano rememoramos 50 anos do golpe de 1964. Especialmente com o AI-5 tivemos o período mais tenebroso da ditadura civil-militar da República brasileira com o cerceamento às liberdades, torturas, mortes não esclarecidas, durante o famigerado Estado de Exceção. Passados os anos de chumbo e a luta pela redemocratização. Vivenciamos hoje a democracia com todos os seus dilemas e a discussão da lei de anistia e suas consequências com a impunidade dos torturadores. Ao mesmo tempo em que encontramos período fértil às reflexões sobre o direito a participação popular mediante manifestações em suas diversas formas como fruto do processo de construção da democrática.
1. AS MANIFESTAÇÕES E A LUTA PELAS LIBERDADES CIVIS
As manifestações pelas Diretas Já em 1984 teve como marco dos movimentos sociais a expressão de força do povo contra a opressão do Estado e a violência dos seus agentes torturadores. Também significou o grito das massas por justiça social. A Constituição de 1988 é fruto desse processo de resistência contra o autoritarismo e pelo direito não só da maioria, mas das minorias silenciadas ao longo da história colonial e republicana brasileira.
Recentemente as manifestações de junho de 2013 em outro momento histórico também é um grito das massas pelo fortalecimento da democracia e contra a violência do Estado e está inserida num contexto de ordem global e local de negação à diversidade de atores e instâncias sociais como sujeito de direitos. Nesse sentido há um fenômeno em comum para todos “cidadãos e subcidadãos”: diz respeito à ameaça a liberdade de ir, vir permanecer (previsão do art. 5º, inciso XV, XVII, XVII e seguintes), e ao direito às manifestações em suas diversas formas:
XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.
XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente. XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; (CRFB/1988).
É verdade que esse direito não é absoluto e sua proporcionalidade visa à paz social. O que não justifica a ilegalidade e violência do Estado por seus agentes. Também encontramos o fenômeno da violência urbana como um mal que nos aflige, ricos e pobres, porém se um lado usa do aparelho tecnológico para se proteger pela ineficiência do estado, o outro sofre com a violência policial como produto mal acabado do período ditatorial acostumado a cometer violações aos direitos fundamentais especialmente dos que se rebelam para o bem ou para o mal.
No entanto em especial nas grandes cidades como parte de uma globalização excludente ocorre à violação às liberdades civis e diz respeito à questão de negação dos direitos fundamentais calcado na dignidade da pessoa humana, e revela a face perversa do Estado a serviço do poder econômico em detrimento do social. A violência em grande medida revela a falta de políticas públicas que eleve a condição de vida digna a todos; ao mesmo tempo em que representa o reconhecimento às elites da ineficiência de governos. Com a velha demagogia para conter “miseráveis e suspeitos” quase todos à margem da sociedade. Enchendo as cadeias como depósito de pobres, pretos, favelados. E sentando o porrete nos revoltosos que fogem a lógica consumista e ordeira.
2. A LUTA PELA CIDADANIA E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
E nos faz refletir sobre o controle dos espaços públicos especialmente áreas estratégicas na cidade voltadas ao consumo, mas fechada as manifestações sociais, políticas, culturais. Nessa lógica nega-se a função social da propriedade. E frise-se a propriedade individual protegida nos termos da Constituição, art. 5º, e seus incisos e 170, II, III e seguintes revela a função social como centro nervoso do direito.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXII – é garantido o direito de propriedade;
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;
Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego; (CRFB/1988).
Porém pela lógica de limpeza social nos centros urbanos como parte do modelo de cidade voltado aos endinheirados e nesse sentido o acesso aos espaços públicos e privados ficaria restrito ao poder aquisitivo e voltado apenas ao consumo de bens e serviços, ao mesmo tempo em que se nega a cidade como espaço da diversidade. Aqui não se discute possíveis abusos ou crimes cometidos isoladamente por indivíduos e puníveis dentro da lei. Mas a repressão aos movimentos sociais ao acesso a participação como partícipe, incluso para além de classe social e de sotaque, origem.
Esse fenômeno da “gentrificação urbana” preocupa, pois nesse lógica os pobres sejam do centro ou da periferia têm ameaçadas a sua liberdade de ir, vir e manifestar-se em nome do direito de propriedade. Em última análise se justificariam os abusos praticados pela polícia para garantir a liberdade de consumidores em detrimento daqueles que estão ali não para consumir, mas para circular nos espaços da cidade. Passa-se a seguir ao endurecimento das leis e mesmo sua violação mediante abuso de autoridade tudo em nome da segurança com o “discurso da lei e da ordem”. Não pasmem se em breve o Estado repressivo passar a considerar arbitrariamente como associação criminosa manifestações nas ruas a critério das autoridades policiais acostumadas a usar da força bruta contra manifestantes sob o pretexto de considerá-los como “suspeitos de crimes”. Em especial com prisões ilegais tendo por base o art. 288 e 342 do Código Penal:
LEI Nº 12.850, DE 2 DE AGOSTO DE 2013.
Art. 24.  O art. 288 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:
“Associação Criminosa
Art. 288.  Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único.  A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.” (NR)
Art. 25.  O art. 342 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 342.  ………………………………………………………………………..
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12850.htm>. Acesso em 11/01/2013)
Especialmente no período que sucedeu as manifestações de junho de 2013 e mesmo antes com os moradores em situação de rua já se via a preocupação das autoridades quanto ao que fazer com os pobres informais (ambulantes, moradores em situação de rua, viciados, entre outros) que perambulam pela cidade e não atendem a ordem burguesa do espaço como lócus de consumo com vistas ao lucro de impostos, e do comércio formal. Passou-se a repressão contra os informais, ambulantes, moradores em situação de rua, inseridos enquanto pobres. Depois com as manifestações do movimento passe livre se tentou a intimidação. Posteriormente foi verificada a adesão da classe média aos protestos o que levou a uma revisão das táticas repressivas pelos governos. Um marco dessa mudança foi à postura da grande mídia que se viu coagida pela repressão policial com ataque a seus jornalistas que faziam a cobertura local.
Passados pouco mais de seis meses da indignação das massas, e na iminência da Copa no Brasil não haverá tolerância a manifestações que prejudiquem os planos das corporações e da grande mídia na cobertura do evento mundial.
É preciso conter as classes perigosas que ameaçam a ordem ilegítima da velha política que sobreviveu aos anos de chumbo da ditadura que trabalha com a intimidação e manutenção de privilégio às elites.
Desde o período das manifestações passou-se a realizar prisões arbitrárias sob a alegação de suspeitas para averiguação violando frontalmente Estado de Direito. Considerando como “criminosos” manifestantes e prendendo-os como “suspeitos da prática de crimes”. Basta verificar o fundamento das prisões arbitrárias com base na lei de segurança nacional (LEI Nº 7.170, DE 14 DE  DEZEMBRO DE 1983).
É a velha elite tentando controlar as manifestações do povo e impedir a liberdade de expressão com abusos da policia repressiva “filha bastarda” da ditadura civil-militar. Pois seus agentes continuam soltos e alimentando as fileiras da violência contra os “suspeitos” em geral politizados e que lutam pelo reconhecimento como cidadãos.
CONCLUSÃO
As manifestações por mudanças na política ou nos “rolezinhos” há o mesmo sentimento de fundo o direito ao reconhecimento para todos ricos e pobres, do centro à periferia. Os que cometerem crime que sejam punidos, mas a princípio não se pode considerá-los “suspeitos” e tratá-los como “criminosos”. Sob o pretexto de violações aos direitos fundamentais do cidadão. A mesma justificativa se deu nas manifestações de junho para cometer abusos pela polícia seja contra quem ali expressava seu pensamento e indignação seja quem fazia a cobertura. O braço repressivo do estado fruto da ditadura precisa ser revisto sob pena de continua violação às liberdades civis e políticas fruto das revoluções ao longo da história e do direito. A propriedade precisa ser resguardada. Porém para além do consumo precisa ter uma função social sejam os espaços públicos ou privados.
Aos 50 anos do golpe de 1964 o STF pode dar uma resposta à sociedade mediante a revisão da lei de anistia e um pacto que não contemplou os anseios da sociedade pela ilegitimidade com que foi costurada a “transição democrática” pela desproporção entre as forças militares no poder e os atores sociais do período.
O direito à memória e à verdade significa resgatar a história ao mesmo temo em que no presente precisamos lutar para ter efetivada às liberdades constitucionais. Ninguém pode ser impedido de ir, vir, permanecer ou se expressar sob o pretexto de ser considerado suspeito. Trata-se de estereótipos contra a pobreza e negação explícita à cidadania.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição Federal da República Federativa do Brasil. 14. ed. Rio de Janeiro: DP & A, 2003. p.9-26.
_______. LEI Nº 7.170, DE 14 DE  DEZEMBRO DE 1983. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7170.htm>. Acesso em 11 de Jan. 2014.
_______. LEI Nº 12.850, DE 2 DE AGOSTO DE 2013. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12850.htm>. Acesso em 11 de jan. de 2014.
Autor
Afonso Soares de Oliveira Sobrinho é advogado e doutorando em Direito

 

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